domingo, 7 de setembro de 2008

A maior “galga”

Mais para o fim do serão, quanto as mentes já estavam menos lúcidas, costumava atacar o Augusto Brotas, que se resguardava enquanto os outros iam bebendo e tinha fama de sabedor.

Junto do balcão da taberna resistiam ainda os quatro da ordem: Chico Galhoso, Abílio da Chica, Bento e Tó da Marreca.

Vem de lá o Brotas e desafia cada um a contar a maior galga que já tivesse ouvido. O campeão ficava livre do pagamento de rodada e ele, Brotas, como juiz, também não pagava, naquela noite.

Começa o Tó da Marreca a dizer que já tinha estado numa herdade onde havia um poço tão fundo, tão fundo que, só para chegar à água, foram precisos quinze rolos de corda, com cento e vinte metros cada rolo. E, depois, ainda outro tanto para se alcançar o fundo.

Quase em uníssono exclamaram todos: aldra!...

Porém, sem se desmanchar, o Tó acrescentou que e o poço foi todo feito em areia e terra, sem se encontrar uma única pedra e a água é salgada, porque vem direitinha do mar.

O Galhoso atirou, de repente:

Andei, a ceifar, debaixo de um castanheiro, tão grande, tão grande, que num ano, carregou de castanhas um comboio, tão grande, tão grande, que o primeiro vagão estava a sair quando chegou o rancho da azeitona e o último ainda estava a carregar quando, ao fim de mês e meio, o rancho veio embora.

Mentiroso sou eu e parece-me que não viram grandes proezas, disse o Bento

Estive, há dias, ao pé duma abóbora, tão grande, tão grande, que para conseguir vê-la toda, era preciso andar em roda dela.

Chegou para fazer vianda para todos os porcos que nunca se lavaram no poço do Tó, porque a água era salgada, nem os que também o não fizeram para não deixar de carregar o comboio das castanhas.

Para pesar toda a produção foram precisas mais de uma dúzia de balanças e quatro homens gastaram à roda de um mês, só para parti-la.

O Abílio da Chica falou por último e disse que viu um mar, tão grande, tão grande, que nem todos os peixes do mundo a beber dele, são capazes de baixar-lhe o nível, quanto mais secá-lo!...

Salta de lá o Brotas, sisudo e muito convencido, com a sentença:

Temos aqui mentirosos de alta qualidade e todos muito sérios nas suas informações.

O poço do Tó, o castanheiro do Galhoso e a abóbora do Bento, merecem respeito. Mas o mar do Abílio é soberbo!...

Atão tantos peixes, a beber, desde que o mundo é mundo, e ainda o não secaram!?... Só esperamos que um dia não se lembrem de ir todos beber, ao mesmo sítio e à mesma hora …Aí o caso era muito sério!....

Parece-me que todos concordam que ganhou o Abílio e, venha de lá a rodada, antes que se acabe primeiro a água do mar do Abílio, que a zurrapa que o Ti’ Manel nos deita nos copos. Mas, antes oiçam lá esta:

Para a próxima, escusam de ir tão longe:

Atão não temos aqui uma serra tão grande, tão grande, que até o sol lhe passa sempre à roda, com medo de lhe passar por cima?

Atão, nunca tinham pensado porque puseram o nome de Serra aqui à nossa terra?...