domingo, 22 de dezembro de 2013

Conto de Natal


Edição especial NATAL - com votos de Boas Festas para todos 


Nos meados do séc. XX, começou a debandada das terras do interior para a cidade de Lisboa – normalmente o homem, ou homens da casa deixavam as mulheres a tratar as terras e a cuidar dos filhos e procuravam, na capital, um trabalho na construção civil ou um emprego na Carris, nos Telefones, nas Polícias ou nos Ministérios. Tudo dependia dos conhecimentos.

Nas tardes de domingo, quando não se faziam umas horas extraordinárias, juntavam-se aos magotes nas praças e jardins de Lisboa e arredores, grupos de trabalhadores de cada região. 

Depois da missa e do almoço convergiam em grupos para junto dos conhecidos, para saber notícias da Terra, para procurarem novos trabalhos, para conviver e até, muitas vezes, para vestir roupa lavada e fazer uma ou outra extravagância, no café e na taberna.

O Ti’Alberto Carpinteiro, trabalhava, como mestre de cofragens, nas obras dos prédios que, como cogumelos, cresciam, às dúzias, no meio das oliveiras do local onde viria a ser o futuro Bairro dos Olivais. Pernoitava na barraca da obra, onde, junto com os colegas, faziam as refeições. 

Aos domingos à tarde, saía em grupo, a corta mato, por Chelas e Areeiro até ao Campo Pequeno, para onde puxava a rapaziada da Carregueira, Aboboreira e Alcaravela. 

Estes grupos passaram, mais tarde, a organizar excursões que saíam de Lisboa, depois do trabalho de sábado e regressavam na noite de domingo. Dava para ir levar a roupa suja, trazer alguma coisa para comer e ver mulher e filhos.

O Ti’Alberto, carpinteiro de apelido e de profissão, não era homem de grandes jogatanas nem sociedades de copos. Andava por ali, vendo montras, tirando ideias e pensando na vida. Não puxava para grandes falas, mas não queria andar por fora das novidades e umas vezes ficava lá pelo Campo Pequeno, outras ia até ao Terreiro do Trigo, ao Jardim da Parada, ao Príncipe Real, ao Rossio, etc. 

Tinha muitos conhecimentos na arte e não eram raros os pedidos que recebia dos que procuravam trabalho, porque queriam mudar, porque tinham sido dispensados, ou porque acabavam de chegar da Terra.

Um domingo de Novembro, depois de estar a ver uma partida de sueca, numa mesa do Jardim da Parada, resolveu dar uma volta pelas redondezas para aquecer os pés e ver as montras. 

Em frente duma loja, pensou, de repente, em levar ao neto, uma coisa que nunca tinha tido: um brinquedo para pôr no sapato do Joãozito, na noite de Natal. Havia ali de tudo: bonecos articulados, piões, coisas para fazer barulho, camionetas de carga, de bombeiros, etc.. Andavam pelos dez escudos…Mas havia coisas muito bonitas e bem-feitas!..

Terá ficado ali a mirar a montra, mais de meia hora. Até que um colega se chegou a ele e perguntou: o amigo está a sentir-se bem? É que está aqui há tanto tempo, que já estávamos em cuidados!...

Nada, nada. São cá coisas minhas. Nunca tive brinquedos assim e lembrei-me que o meu netito, havia de gostar de ter uma camioneta daquelas… mas a loja está fechada e durante a semana não posso vir cá buscá-la…além de que nove mil réis é quase meio dia de trabalho!..

Ora, ora, Ti’Alberto, o dinheiro é para se gastar. Vir cá buscá-la é que custa quase outro tanto. Mas, sempre se ouviu dizer que o mestre é um grande artista na madeira… Com uma perna às costas, tire aí uns desenhos e faça uma coisa melhor que a que estamos a ver. Até o seu neto irá gostar mais se souber que o avô é que fez a camioneta de madeira. Pense nisso!...

Já nessa noite o Ti’Alberto teve dificuldade em adormecer. Madeira arranjava com facilidade. Ferramenta e tudo o resto, também. Habilidade, não havia nada como tentar e nas três semanas seguintes juntou tudo o que precisava, serrou, limou, lixou, furou e quando tinha tudo pronto pediu ajuda a um pintor e os dois acabaram a pintura e montagem da camioneta. Tinha marca, matrícula, volante e até uns pneus de borracha. 

Uma verdadeira obra-prima, disseram todos os que a viram. Até diziam que, se quisesse, podia ganhar dinheiro a fazer coisas daquelas, pois eram muito melhores que as das fábricas. Media a camioneta 40cm de comprimento pelo que não havia, lá pela obra, uma caixa para meter a peça. Até que um vendedor de ladrilhos lhe trouxe uma caixa de cartão, sem quaisquer nomes nem desenhos, para guardar o brinquedo. O último trabalho foi, pois, pintar e embrulhar a caixa. 

Mas, antes de fechar o embrulho, lembrou-se de dois pequenos chocolates que lhe tinham saído numa rifa e que ele guardava, ciosamente, para dar ao neto, como prenda de Natal. Embrulhou, cuidadosamente, os doces e colou-os na caixa de carga da camioneta. Era o primeiro transporte que ela fazia….

Nas últimas semanas antes do Natal, na viagem à Terra, conversou muito com o neto, levando a conversa para brinquedos, para camionetas, carrinhos…para ver quais as reacções do pequenito, ao tempo nos seus nove anitos. 

Soube que era muito bom aluno, lá na escola, que tinha escrito uma carta ao Menino Jesus a pedir que lembrasse o Pai Natal que não se esquecesse dele… Então e o que pediste de prenda, João?

O Ti’Alberto ficou atónito quando o neto lhe disse: uma camioneta grande, para poder levar e trazer mercadorias e poder ganhar dinheiro suficiente para o avô e o meu pai não precisarem de sair da Terra. Mas devem ser tantos os meninos a pedir assim coisas importantes que, certamente, como nos outros anos, só vou receber algumas meias, ou alguma coisa que precise para a escola. 

Ouvi dizer que uma camioneta como eu gostava custa muito dinheiro e também pensei se depois não era preciso tirar a carta antes de poder trabalhar com ela. Logo se vê, avô, mas olhe, se não for, paciência…

Dali em diante não sabia o Ti’Alberto qual dos “meninos” andava mais ansioso pela chegada do Natal: se o neto, se o avô!... Tinha dificuldade em adormecer, imaginava como devia ser a cena da chegada do embrulho ao sapato do neto, como havia de disfarçar os chocolates, se devia ou não pôr alguma marca, etc…

Até que chegou o dia da consoada e quando chegou a camioneta da excursão com os homens de Lisboa, um dos que os aguardavam era, nem mais nem menos que o João Carpinteiro. 

Agarrou-se ao avô e mirou-o, de alto a baixo, estranhando um saco, maior que o normal, que o avô trazia às costas. E dirigiam-se para casa, quando o Ti’Alberto disse: João, ali o Ti’Manel do Ribeiro tem estado doente e não pôde vir. Pediu-me que lhe trouxesse aqui umas coisas para a Tia Amélia. Vai andando para casa que eu vou por lá deixar o recado e já te apanho em casa. E separaram-se.

O Ti’Alberto foi a um palheiro esconder a encomenda e depois dirigiu-se para casa. 

Como quando chegou o volume do saco era mais pequeno e a mulher lhe perguntou se o compadre Manel estava melhor, tudo passou despercebido e ainda que agora mais ansioso que o próprio neto, foi até à taberna e depois de conversas de ocasião, meteu a mão ao bolso e vendo as horas, despediu-se, pois ainda tinha umas coisas que ultimar, porque no dia seguinte era dia de consoada. Estava inquieto…

Foi, por cima do telhado, até à chaminé. Tirou o novelo de guita do bolso e atou-lhe uma pedrita na ponta. Meteu o cordel por uma das aberturas e deixou cair até chegar à lareira. Fixou o cordel pelo lado de fora da chaminé e entrou em casa, dirigindo-se à lareira. Escondeu a ponta do cordel dentro da chaminé, por cima das varas dos enchidos e pronto, não se falou mais no assunto. 

Cearam, fizeram-se as filhós, e foram todos para a cama.

Nessa noite o Ti’Alberto não se conteve e, como se fosse ele que estivesse para receber um presente muito desejado que nunca tinha tido, contou à mulher todo o enredo da prenda que preparara para o Joãozito e do que tinha planeado para o dia seguinte:

Depois da ceia o João ia buscar uma das suas botas e punha-a, na lareira para que o Pai Natal, mandado pelo Menino Jesus, viesse trazer-lhe alguma prenda e ia para a cama. 

Algum tempo depois ele prendia a caixa que tinha no palheiro à ponta da guita e içava-a para dentro da chaminé de modo que não se visse de dentro da cozinha. Nessa altura a avó ia chamar o João, dizendo que estava à lareira mais o avô e ouviram uma restolhada na chaminé, pelo que o avô foi lá fora ver o que se passava. E ela também tinha ouvido qualquer coisa dentro da chaminé, pelo que deviam ir ver o que se passava.

A cena seguinte é indescritível: A caixa de cartão, descendo lentamente na direcção da bota e finalmente pousando sobre ela, depois o fio caindo e finalmente ouviu-se a voz do avô, gritando:

Ouça, senhor Pai Natal, venha cá, não fuja que não lhe quero fazer mal. Só queria que o meu neto lhe agradecesse e que dê um grande abraço ao Menino Jesus que o mandou. Adeus, Até para o ano….

E, ainda o João não tinha tido coragem para começar a abrir a caixa de cartão, já o avô chegava para contar o que se tinha passado. 

Mas, atalhou o neto: foram as nossas conversas avô. Eu comecei a acreditar que era possível e fiz muita força. E conseguimos avô!...

E abraçou-se aos avós e aos pais, entretanto também chegados, pois ouviram o avô aos gritos em cima do telhado e vieram ver o que se passava.

Patético!... O João não sabia por que ponta havia de começar. Quando abriu a caixa e viu a camioneta, nem queria tocar-lhe…iria sujá-la!... Seria verdadeira? Estava acordado? Seria aquilo um sonho? Depois deitou-se no chão da cozinha, olhou a camioneta de todos os ângulos, apalpou os pneus... verdadeiros! Torceu o volante…rodava!... Não, Não podia ser verdade… Até que adormeceu…

O Ti’Alberto apenas disse: recebi, hoje, com mais de cinquenta anos de vida, o melhor brinquedo da minha vida!...

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O TRUTA DO CÔA - Continuação

Capítulo II
O Côa é um rio de margens rochosas e alcantiladas, traiçoeiro, para quem não o conhece e respeita. Nos Invernos leva tudo o que encontra, num tropel de forças hercúleas que arrastam paus e pedras de muitas toneladas; nos Verões quase se extingue e deixa ao abandono parte da moldura verde, das margens, que aproveitou alguma nesga de terra para brotar.

Nascido na serra das Mesas, um dos contrafortes portugueses da serra espanhola da Gata, lá para os lados dos Fóios, tem uma infância feliz e calma, mesmo quando atravessa as abas da Malcata, até jusante da sua primeira grande referência – o Sabugal – que deixa na margem direita, dirigindo-se para norte, onde vai entregar-se ao soberbo Douro, depois de percorridos os seus cento e trinta e cinco quilómetros.

Recebe, na passagem, o contributo, por vezes generoso, de algumas ribeiras – de Alfaiates, de Adão, de Noemi, de Gaiteiros, das Cabras, de Massueimi – as duas primeiras na margem direita, o lado de Espanha, e as restantes na margem esquerda. 

Faz a delimitação das terras de Ribacôa, entregues, definitivamente, pelos Castelhanos, a Portugal e ao rei D. Dinis, no ano de 1297, com a assinatura do tratado de Alcanizes.

Durante o seu acidentado percurso, desce de uma altitude de 1.060 metros – na nascente –, até 180 metros – na confluência com o Douro –. 

Serviu de protecção natural a muitas vilas acasteladas, das suas imediações. Estão neste caso, para apenas referirmos algumas mais conservadas na actualidade, Castelo Mendo, Almeida e, menos próximas, Pinhel e Vila Nova de Foz Côa.

Habitado desde tempos imemoriais, o vale do Côa apresenta um vastíssimo e não menos rico espólio cultural de que um dos maiores conhecedores será personagem central desta obra, necessariamente ficcionada sobre o imaginário de gentes e legados daquelas terras.
No tempo dos Romanos, a região foi cobiçada pelas possibilidades de utilização de águas e explorações mineiras, mas os Cudanos e Transcudanos – como eram chamados os povos que por ali viviam –, sempre se mostraram pouco permeáveis e difíceis de dominar e, muito menos, domar, pelas legiões dos César e de outros invasores.

De uma agressividade telúrica, as margens do Côa, por alturas de Castelo Mendo, entre a ponte de caminho de ferro e a rodoviária ponte do Côa, nas imediações de Leomil, antes de Castelo Bom, quando se vai, pela velha estrada, da Guarda para Vilar Formoso e Espanha, eram o habitat do Jaime.
A água corre em goleiras, projectada de pedra em pedra, com vigor e força de corrente. Ali, entre pedras soltas e bulideiras, é o local ideal para as trutas que aos saltos de vários metros se projectam rio acima, no sentido contrário ao da corrente. São raros os açudes e represas, pois a sua necessidade e justificação não existem neste troço – não há veigas e lameiros nas margens, formadas, apenas, por barrocos, penedias e escarpas alcantiladas –. São bastas as zonas onde o único percurso possível é o leito do rio.

Os freixos e amieiros, os tufos de juncos e as touças de castanheiros, cresceram sob os olhares do Jaime, para quem aqueles quilómetros de rio serviram de berço e horizonte e são, além disso, ícones do seu culto pela Natureza, partes de um todo ao qual pertence, com o qual vive e respira, do qual se alimenta, física e mentalmente.

Povoam este cenário, fantasmagórico e feérico, diversas aldeias, inclinadas sobre o Côa e que milagrosamente se mantêm sobre as escarpas, vendo as poucas terras aráveis de que dispõem ser arrastadas lá para baixo, indo jazer e alimentar os lameiros das margens do rio. Essas terras ribeirinhas são bastante férteis, pois a essência, maioritariamente arenosa, que as compõe, é rica em detritos, estrume, húmus e dejectos, arrastados pelas águas.

Gentes e animais vivem ali desde a mais remota antiguidade; sobrevivendo no limite das leis da natureza e a sua subsistência vai além, muitas vezes, da destreza humana e animal. São, porém, muito raros os casos de acidentes ocorridos em tão inóspitos cenários. Descer do cimo dos morros até ao rio exige arte e equilíbrio, por veredas ou caminhos usados por carros e animais, onde não há qualquer margem para desvios, distracções ou erros.

Todos aqueles percursos eram familiares ao Jaime que, sem distinguir noite e dia, se movimentava pelos trilhos usados por pastores e feras, conhecendo pelo toque a solidez duma pedra dura, ou a consistência de um carreiro arenoso. Por vezes, descalçava as botas e pendurava-as ao pescoço, aumentando a sensibilidade dos pés, na determinação da dureza, secura, vegetação e temperatura do que ia pisando. Todas essas componentes eram determinantes para definir os trilhos que o levariam a este ou aquele patamar e às grutas onde se acolhia, onde habitava e onde guardava os seus pertences: roupas, vitualhas, livros, lenha e outros combustíveis. Dois ou três desses locais privados do Jaime eram verdadeiras casas fortes, protegidas por sistemas de defesa e detecção de intrusos, altamente eficazes.

A par destes santuários, onde guardava os haveres e onde pernoitava em tempos de maior rigor meteorológico, o Jaime tinha, mas margens do Côa, entre as duas pontes, uma meia dúzia de locais de repouso e contemplação. Dali via a outra margem, os amieiros e freixos que cresceram sob os seus olhos, os pássaros que voaram, pela primeira vez, à sua frente, ainda que a centenas de metros e no local menos previsível.

Um dos seus observatórios, num ponto avançado, a uns quinhentos metros da muralha de Castelo Mendo, sobre os barrocos que faziam a guarda a norte de Paraizal e protegido a nor-noroeste pelas cercaduras da Misarela, dispunha mesmo de um instrumento óptico, baseado em lentes, tubos e espelhos, de construção rudimentar, com que olhava o céu e podia observar todos os movimentos de qualquer animal ou pessoa, na margem direita do rio, no seu leito e nos lugares mais expostos da própria margem em que estava.

Nunca conseguiu dotar o dispositivo de meios e capacidade de visão nocturna e lutava com dificuldades em dias de maior luminosidade.

Os locais que queria controlar, onde tinha guardados os seus haveres, estavam enquadrados por um sistema de espelhos reflectores, para ver e não ser visto, cujo principal objectivo consistia em ver o que se passava e também criar reflexos e luzes dissuasoras de qualquer humano, ou bicho, que se acercasse.

Tinha um sistema de enxames nas entradas de alguns locais e podia provocar a fúria das abelhas, por mecanismos e armadilhas que qualquer intruso accionava, inadvertidamente, quando se aproximasse.

Pescadores e caçadores furtivos, viandantes duvidosos, casalinhos amorosos, vítimas de estupros e violências diversas, assaltos e tantos outros cenários, próprios e impróprios do ser humano, estiveram sob a observação do Jaime.

Lutas entre animais, artes de pesca e caça, sementeiras, bens legais e ilegais escondidos, cargas de contrabando e patrulhas de guardas, assaltos e bandos de malfeitores, foram seguidos pelo Jaime, durante horas.

Mas a natureza era o motivo da maior parte das observações e ocupações do Jaime: via brotar nas fontes a água que bebia, lavava-se sempre com água na mesma temperatura, comia frutos acabados de colher, seguia as tarefas dos animais, desde a formiguita ao predador, descia às aldeias para ganhar alguma coisa, para arranjar algo que comer, para aceitar um prato de sopa ou um naco de pão. Trabalhava nas suas artes e não enjeitava qualquer ajuda que lhe pedissem, recebendo fraca paga – preferia os créditos às dívidas, como dizia –. Nos trabalhos da ponte, lá ao horizonte do Paraizal, acompanhou o movimento anormal de homens e equipamentos. Foi lá que conseguiu recolher uns binóculos, esquecidos no chão, e um aparelho com manual de instruções, que leu cuidadosamente e permitia calcular a distância até aos objectos que focava. Nunca conseguiu, porém, saber a que distância estava da Freineda, ou quantos metros distava a nova ponte do seu local de observação. Também nunca chegou a saber o estado do tal telémetro.

Depois das máquinas cavarem num e no outro lado do rio, foi estendida a linha de comboio até às proximidades das duas margens e começaram a chegar os milhares de blocos de pedra, cortados nas pedreiras, desde o Rochoso, no lado da Guarda e para lá de Freineda, no lado da fronteira.

Apesar de não ser pedreiro, canteiro ou carpinteiro, o Jaime conseguiu arranjar trabalho nas obras da nova ponte, chegou a capataz e manteve-se ali durante quase dois anos. Acumulou um razoável pé-de-meia e arrendou uma casita, no Paraizal – a sua eleita entre as aldeias das margens do Côa –.
No final da obra, o Jaime assistiu à passagem do primeiro comboio sobre a nova ponte, rumo a Espanha e, a partir de então, todos os dias a nova passagem ferroviária era atravessada, nos dois sentidos, por vários comboios, carregados de passageiros e mercadorias. O Jaime tinha, assim, nova vida no seu cenário habitual; havia comboios e gente, onde antes só o mais atrevido dos animais quebrava a quietude da paisagem agreste e pedregosa.

A passagem pelos trabalhos da ponte e a vida gregária que partilhou com os companheiros, nas malhadas, nas refeições, nas tarefas de grupo, nas escalas de trabalho, na conjugação de esforços e na orientação de grupos, começaram a desenvolver no Jaime um sentimento de solidão, a necessidade de arranjar uma companheira e a vontade de ter um filho a quem ensinaria as artes de viver nas margens do rio e os segredos do seu mundo, dos seus “deuses”, da sobrevivência e da sua felicidade. 

E tinha agora um meio de transporte para poder sair dali e voltar quando lhe apetecesse…
(Continua)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O TRUTA DO CÔA

Capítulo I

Desde que naquele fim da tarde de quarta-feira – último dia da feira de Trancoso – deram pela falta da Rosa, não mais houve sossego entre os ciganos do arraial e, muito menos, no clã dos Mendes, a que a moçoila pertencia.

As respostas à pergunta “viste a minha Rosa?”, repetida até à exaustão, de barraca em barraca, por todo o campo da feira, não foram além de negativas redondas, do “não me lembro de a ter visto”, “ainda hoje não dei por ela”.

A mãe, que pai já não havia na família, mobilizou os três filhos mais novos, recorrendo aos impropérios que encontrou e ameaçando que os rachava se voltassem sem a irmã.

Os três rapazes, cada um por seu lado, revistaram todo o acampamento, mas da irmã, cigana na casa dos vinte e cinco anos, sempre próxima da família e com porte a que não havia nada a dizer, nem sinal – não era tida nem achada e nenhuma boca se abriu, quanto a tê-la visto sair do acampamento, ou do recinto da feira –.

Os mais chegados, vieram com os consolos do costume – “pode ter-se sentido mal e estará a dormir para qualquer lado”, “estará para aí, de derriço, com algum farsola”, “o que for, soará! … a terra há-de dá-la! …”

A ti’Amélia, pareceu mais sossegada, quando os filhos voltaram e garantiram que não faltava nenhum cigano no arraial; sozinha não iria longe e com alguém fora da sua raça não acreditava que fosse a algum lado.

Porém, ao aperceber-se que faltavam algumas roupitas da cachopa, entrou em transe; ao conferir que também uns dinheirinhos que a Rosa tinha de seus, não estavam no esconderijo, quase explodiu; e quando confirmou que algumas das poucas peças de ouro, da família, não estavam na trouxa, inquietou-se ainda mais e lançou o pânico pelo arraial cigano de Trancoso. Fez constar que a Rosa se tinha ido embora e levado arranjo.

Nas feiras seguintes – Sernancelhe, Meda, Pinhel, Celorico, Moimenta, Lapa e Aguiar da Beira – ainda se falou bastante do desaparecimento da Rosa cigana, mas, com o passar dos meses e como ficou certo que nada de grave sucedera, uma vez que nada de anormal foi referido, o caso acabou por ser esquecido.

Só a mãe nunca se conformou e manteve sempre a esperança de voltar a ver a filha e talvez poder retribuir-lhe todo o desgosto que não esquecera e não perdoara nunca à rapariga.

Chegaram, ao longo dos anos, muitos boatos, muitas notícias não confirmadas e até muitos falsos alarmes e pistas, anunciando a presença da Rosa, na companhia de alguém, na próxima feira, de aqui ou acolá.

Porém, a ti’Amélia acabou por morrer sem voltar a ver a filha, ou dela ter notícias concretas.

Acrescente-se, apenas para sossego do leitor, que mãe e filha se cruzaram algumas vezes, nas estradas e andaram por perto, embora sem nunca se terem encontrado; melhor dizendo, a Rosa nunca se tenha dado a conhecer.

A Rosa, que não mais usou o apelido Mendes e deixou de vestir os trajes ciganos, viveu sempre perto do local do seu desaparecimento – Trancoso –.

Nas terras da alta Beira e ao longo de toda a fronteira, a vida era muito difícil naqueles primórdios do século passado; o dinheiro escasseava, embora, por vezes, as arcas e os celeiros estivessem atulhados de centeio e batatas e a castanha, em anos de boa novidade, ajudasse também a cobrir as necessidades alimentares básicas, de homens e animais.

Escasseava o trabalho: as minas, por um lado, e uma ou outra obra pública nas estradas e nos caminhos-de-ferro, por outro, não chegavam para ocupar toda a força de trabalho disponível na região.

A pastorícia e o arroteio das terras, a par das escapadelas aos trabalhos agrícolas de Castela, ou das ocupações ligadas ao contrabando e à candonga de produtos de e para Espanha, mal chegavam para matar a fome da família e comprar alguma coisa para vestir.

Era nestes ambientes de penúria que decorriam as feiras nos concelhos e comarcas, onde o refúgio nas tabernas e uns negociozitos de bestas e bois, a par da venda de castanhas, batatas e centeio, movimentavam muitas gentes, nomeadamente de raça cigana, que quase detinham o exclusivo das bestas, muares e cavalares, sem esquecer os burros.

Havia ainda as barracas de capotes e samarras, com pele de raposa, na gola, safões e outros agasalhos, que, naquelas terras, bem justificados eram, pois o frio e a neve caíam, impiedosamente, no princípio de cada Outono, cheios de rigor, qual castigo para os mais pobres e sem abrigo.

O Jaime, nos seus trinta e poucos anos, mexia, melhor que ninguém, o “junco”, ou a naifa de ponta e mola, que comprara perto de Cidade Rodrigo.

Nunca se separava da “fusca” que, por mais de uma vez, já tivera de exibir, embora sem nunca ter dado um tiro. Adquirira-a, um belo dia, a uns ciganos amigos e apesar de já ter ouvido bom dinheiro por ela, não era sua intenção separar-se dela, enquanto vivesse.

Vivia, de terra em terra, desde a margem do Douro, até ao termo do Sabugal e recantos da Malcata, por todo o vale do Côa. Fazia biscates da sua arte, como dizia, e não rejeitava um ou outro negócio de besta, ou burrito. Nunca se lhe conheceu companheira, embora caminhasse para os quarenta.

Batia toda a raia e ia até aos contrafortes da Marofa, onde, segundo constava, teria nascido, de mãe cigana e pai espanhol, que bem cedo o entregaram aos cuidados de um morgado da zona de Almeida.

Aí, nas terras de D. Mendo, aprendeu a arte de pastorícia, da tosquia, de que viria a ser um verdadeiro artista, e sabia ferrar uma besta. 

Antes da idade das sortes, agradeceu ao seu senhor e fez-se à vida, errante e nómada, de caldeireiro, tosquiador e ferreiro, percorrendo todo o vale que considerava a sua casa e que conhecia melhor que ninguém. 

Sempre que lhe calhava visitava o maioral de D. Mendo e, às vezes, ficava uns dias a ajudar, mas o seu espírito errava constantemente e não aceitava prisões, ou quaisquer constrangimentos de disciplina.

Não se entende, pois, muito bem, que tenha aguentado quase cinco anos na marinha mercante, embarcado num petroleiro, a bordo do qual percorreu uma boa parte do mundo e, na condição de servente-ajudante do oficial de máquinas e manutenção do navio, aprendesse tantas coisas e técnicas que tanto influenciaram a sua vida e vivência no vale do Côa.

Provavelmente aguentou todo aquele tempo, porque queria saber coisas que noutras circunstâncias nunca teria sequer imaginado. Para ele era como se estivesse internado numa qualquer escola superior.

Segundo o comandante Santos, o Jaime era um rapaz muito interessado e muito estudioso. Tinha muitas qualidades a nível intelectual e, se tivesse estudado, teria sido um brilhante engenheiro de máquinas e manutenção, mecânico, ou especialista de materiais e equipamentos.

A bordo leu tudo o que apanhou a jeito e bebeu, com extraordinária avidez, tudo o que lhe foi ensinado pelos camaradas da tripulação, pelos oficiais e, particularmente, pelo seu chefe, de quem sempre foi pupilo dilecto.

Aprendeu, além das artes de mareante, Física e Geografia. Interessava-se, particularmente, por medidas, grandezas e instrumentos; materiais, especialmente metais e equipamentos electromagnéticos; técnicas de chaparia, caldeiraria, soldadura, rebitagem e tratamento e manutenção; as comunicações e instrumentos de marear, foram-lhe explicados pelo seu chefe e a técnica de atracagem, lançamento e amarração de cabos, verificação de forças e tensões, bem como as técnicas de emergência e primeiros socorros, foram estudadas e perfeitamente assimiladas pelo tripulante.

Conseguia localizar outras embarcações que navegavam à vista e aprendeu a determinar as coordenadas, distâncias, velocidade de deslocação e rumo seguido. Parecia que tinha nascido para o mar, gracejava o oficial de máquinas.

Orientava-se tão bem de dia como de noite, nunca perdia o “norte” e detectava, imediatamente, qualquer batida anormal das máquinas.

Nunca adoeceu e era particularmente resistente a enjoos e males de mar, mesmo nas condições mais agressivas, caso das passagens pelo Cabo, ou por alturas da Gasconha, rumo a Roterdão. A única vez que se sentiu meio tonto, cruzava o Estreito de Magalhães, rumo ao Chile. Numa palavra gostava de mar e sentia-se muito bem na solidão dos oceanos e, dias e dias, na companhia e convivência de uma pequena comunidade.

O comandante Santos, velho lobo-do-mar, tirou-lhe as medidas e convidou-o para se inscrever na escola e vir a ser alguém na marinha mercante. Porém a resposta do Jaime foi elucidativa: 

Agradeço ao Senhor Comandante, aos Senhores Oficiais e a todos os tripulantes presentes e aos que foram passando; porém a minha vida não há-de acabar aqui e o que queria aprender já vai chegando ao fim. Na próxima vez que atracarmos em Lisboa, deixo o seu navio e faço-me à vida. Nunca esquecerei, nem lamentarei o tempo que aqui passei, mas também não voltarei a falar destes tempos… É melhor assim!...

O Comandante comentou a atitude do tripulante que, ao jantar, foi gabado por todos os oficiais e, mandou que se apressasse a lembrança que queria que fosse oferecida ao Jaime quando ele deixasse o navio – um conjunto de livros, sobretudo de Física e Geografia, que há muito vinha a ser adquirido, por sugestão do oficial de máquinas e com a completa concordância e a expensas do Comandante. 

Segundo um manuscrito encontrado, mais tarde, pelo Jaime dentro de um dos livros, foram as seguintes as palavras do comandante, ao jantar:

O Jaime é o que se conhece. Uma força da natureza, que ama como sua mãe, acima de tudo. É cioso da sua liberdade, se bem que nunca tenha posta em causa a ordem e a disciplina a bordo. Não é ave para ficar sempre no ninho. Quer fazer experiências, voar, conhecer, experimentar, viver.

Vai partir, não sem antes estar já a deixar saudades; pela forma como sempre se portou a bordo, particularmente nos momentos mais difíceis. Será capaz de viver em qualquer lado, em qualquer ambiente, por mais hostil que seja.

Vai levar a prenda que mais deseja na vida: estamos a preparar-lhe uns trinta ou quarenta livros de Física e Geografia, entre outros. Não vamos fazer cerimónia na sua despedida – não seria do seu agrado –, porém todos ficam como testemunhas que vai sair desde navio um dos homens que mais me impressionaram durante a minha já longa carreira.

Mas, voltemos ao Côa. Ali, junto do seu “deus”, passava o seu tempo. Não dava pelo passar dos dias e qualquer gruta, ou abrigo, lhe dava melhor sono que a malhada do morgadio, ou o celeiro do solar. 

Conhecia as golas, os vaus, os pegos, as solapas e as alpoldras de todo o rio. Acompanhava as trutas que, aos saltos, subiam a corrente e apenas pescava quando a fome o obrigava.

Acamaradava com os pescadores e vivia quer com os contrabandistas, quer com os carabineiros, quer com os nossos republicanos. Comia com os pastores, de quem conhecia a maior parte dos cães e orgulhava-se de dizer que respeitava e era respeitado pelos lobos. Numa palavra, nunca constou que tivesse feito mal a alguém, ou que alguém o tivesse molestado.

Havia, todavia, uma relação que merece ser mais aprofundada: a sua maneira de “estar bem com gregos, troianos e ciganos”, de que se orgulhava.

Por mais de uma vez foi tentado pelas polícias de Espanha e de Portugal, quer para servir de guia, quer para ajudar a capturar contrabandistas. Sempre se manteve neutro, salvo nas ocasiões, aliás raras, em que andava mais necessitado e aceitava, levar e trazer, umas cargas de contrabando. Nesses casos, é claro, até actuava como guia de contrabandistas e, orgulhava-se de nunca ter deixado apanhar qualquer elemento dos seus grupos.

Homem de poucas conversas e bom vinho, isolava-se, nas malhadas, ou andava só, pelos caminhos, de terra em terra, e, sempre que podia, junto “da sua Côa”, como sempre dizia. De preferência andava durante o dia e passava horas deitado nos lameiros, junto dos açudes, durante as horas de calma, ou pela noite dentro. No Inverno era um autêntico homem das cavernas, onde não tinha frio nem fome – atempadamente guardava lenha e víveres –.

Nunca se lhe ouviram referências à sua passagem pela marinha mercante. Durante os anos que andou embarcado, nunca recebeu, nem enviou correio e, nos seus pertences não tinha nada que o ligasse a terra. Pouco dinheiro gastou, nas raras saídas a terra.
Desse tempo, ficaram os livros que eram, religiosamente guardados e bastas vezes consultados.

Trigueirão, de cabelos muito pretos, olhos grandes e avantajado de estatura. Tinha uma força hercúlea e, dada a vida que levava, era muita ágil de movimentos e tinha sentidos muito apurados – via muitíssimo bem, ouvia o mais pequeno ruído e distinguia os sons de todos os animais, com quem convivia –. Tinha um olfacto apuradíssimo e seguia o rasto de qualquer animal, ou pessoa, até aos confins do mundo, se preciso fosse.

Falava bem português e castelhano e seguia, à risca, os dialectos. Durante os anos em que frequentou a escola, em Almeida, aprendeu muito bem o que lhe ensinaram e era mesmo dos melhores da aula; depois do exame da quarta classe cansou-se e disse que queria guardar gado e não estudar, como seria gosto de D. Mendo.

Dizia-se que nascera junto ao Côa e a mãe, de origem cigana o teria levado para Espanha e aí lhe fez o registo, já o ganapo teria à volta de seis meses. Mas, para as más-línguas, tinha também papéis portugueses, que o dariam como nascido no termo de Almeida, junto à fronteira. Esta conjectura, uma vez que ao certo não se saberá, livrou o Jaime nas “sortes”, para o serviço militar, em ambos os países.

Ninguém se metia com ele, nas festas e arraiais; mirava tudo e todos. De aspecto tímido e respeitador, aceitava um copo e uma bucha, que lhe oferecessem e agradecia, educadamente. Tinha os seus locais próprios de pernoita e não se misturava com os mendigos que andavam pela zona. Cuidava do seu próprio vestuário, que lavava regularmente; barbeava-se todas as semanas e, às vezes, assistia à missa, nas capelas dos povoados. Trazia, invariavelmente, nos seus parcos haveres, jornais e livros que lhe davam os que sabiam que gostava muito de ler e escrever.

Cosido com um barroco, camuflado num tufo de amieiros, ou encostado a um carvalho, não havia quem conseguisse lobrigá-lo. Surpreendia os próprios bichos e era bem recebido em todos os locais por onde passava.

Constava-se que, para os lados de Roque Amador, um lavrador de Rapoula do Côa, fora salvo da fúria das águas pelo Jaime, numa noite de Inverno, em que ambos vinham da Ruvina, depois de terem estado na feira de Alfaiates. 

Também se dizia que, numa tempestade, salvara do Côa três cabeças de gado que eram arrastadas pela torrente; o Jaime agarrou uma com a mão direita, outra com a mão esquerda e a terceira com os dentes.

Esta e outras histórias alimentavam o imaginário popular sobre a vida do Jaime; certamente, na maior parte das vezes, mais por imaginação e, quiçá, fantasia das gentes, que por qualquer acção, ou intervenção, do próprio.

Com passagens mais ou menos regulares, subia e descia o Côa, ganhando uns patacos quando não era por amor de Deus a paga do seu trabalho. Mas, suspeitava-se que tinha pé-de-meia, uma vez que não se via gastar os dinheiros que recebera, durante mais de vinte anos que vivera e biscateara por terras do Côa e da raia. E era muito solicitado para os trabalhos das suas artes.

De qualquer modo o Jaime era desprendido e desinteressado dos bens materiais; vivia com frugalidade, vestia o que lhe iam dando e o que tinha estava distribuído e guardado, discreta e recatadamente, em diversos locais que só ele conhecia.

Até que um dia…
(continua)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Elogio do amor...


Nas oliveiras da tapada, atrás de nossa casa, havia grande quantidade de pintassilgos que ali faziam os ninhos, disputados pela garotada, que se considerava altamente recompensada cada vez que achava um.

Os pintassilgos eram os regulares ocupantes das gaiolas do Zézito, que nos seus treze anos, ali passava as férias.

Um dia, porém, o rapazito ficou impressionado e incomodado com o comportamento dessas aves.

Ao verem os filhotes nas gaiolas, alimentavam-nos, nos primeiros tempos, estudando-lhes o desenvolvimento motor, a capacidade de se alimentar, o tamanho e cor das penas, para definirem a sua iniciação no voo.

Porém, ao verificarem que os filhos, já na altura de voarem, não os acompanhavam, por estarem presos, entravam em trinados esquisitos, mais agudos e rápidos e menos harmoniosos – semelhantes a choro – e, uns dias depois, procuravam gramíneas venenosas e davam-nas aos filhos, libertando-os, pela morte.

Este episódio, que o garoto de então não mais esqueceu, levou-o a não mais usar as gaiolas e guardou aquele exemplo, pela vida fora, como verdadeiro hino à liberdade.

Um verdadeiro elogio do amor…