domingo, 23 de dezembro de 2012

NATAL e ANO NOVO

BOAS FESTAS
e
ANO NOVO
acima das expectativas

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Nocturnos



 Quando releio as histórias de gente simples - na maior parte das vezes, nem me lembro delas -, penso que por trás de cada uma há outras histórias, por escrever, que acabarão, forçosamente, por ficar inéditas. 

Quando leio histórias escritas por outrem, tenho, algumas vezes, a sensação de que já as havia lido. E, nesses casos, acabo interrogando-me se isso corresponde à realidade, ou se é pura suposição. 

E, nestas frustrações – a palavra é demasiado contundente, talvez -, na maior parte das vezes nocturnas, lá continuo a apelar à imaginação, a negacear a memória e a dar largas às ideias emergentes do turbilhão que rodopia no meu imaginário. 

E vêm-me à ideia as palavras de um grande mestre de Psicologia que me acompanhou na juventude e me alertou para diversas vantagens que podemos tirar de ler, em quantidade e qualidade, pensar - mesmo sem consequências, como ele dizia -, escrever – ainda que sem nexo ou objectivo imediato -. 

Grande dr. Paínho, caro dr. Martins de Castro: como vos relembro e agradeço tantas coisas. 

Aquelas maçadas de aplicar e aferir testes, aquelas dissertações sobre sensações e percepções, aquelas regras de expressão escrita e oral, aquelas palestras que a princípio foram verdadeiros suplícios e acabaram por ser autênticos prazeres. 

As mnemónicas, os truques, os tópicos. Os dedos, as mãos, o olhar sem ver, o feedback da assistência. Tudo!.. 

O recurso sistemático e recorrente aos dicionários, aos prontuários, às gramáticas e vocabulários. 

As conversas, as declamações, os discursos na casa de banho, frente ao espelho; as sessões na professora Corina Freire, para aperfeiçoamento do aparelho vocal, da dicção, da colocação da voz, quer na fala, quer no canto ou na declamação; as aulas do doutor Bailarim, para desenvolver as acções de convencimento, os ritmos e intensidade da voz, os ataques e cedências durante as exposições… 

As leituras dos mestres da nossa literatura, quer em poesia, quer em prosa - conto, ensaio ou romance -. 

Tudo, tudo perpassa por uma noite de insónias, num silêncio de aldeia, onde se sentem e experimentam os mais puros e autênticos nocturnos, feitos de silêncios, de cogitações, de medos e, finalmente, de esperança e de alegria. 

Repentinamente, vem-me ao espírito a aflição do garoto que, na sala de aula, se levanta, lembrando a professora que é primeiro – sou Feliz e ele é Varisto – e, como a senhora professora disse, segue-se a ordem do alfabeto. 

Ele será dos últimos: depois dele, só o Xico e o Zé. 

Tens razão, mas ele é Evaristo – se bem que cá na terra ninguém o conheça por esse nome – e fala primeiro que tu – que és Félix, apesar de toda a gente te tratar por Feliz –. 

Coisas desconexas, sem qualquer ordem ou razão. 

São ideias e cenas patéticas, como estas, que acabam por amainar a vertigem do carrocel que em turbilhão vai mostrando e dando alma às personagens e histórias de gente simples

Parecem os transístores, acabados de inventar na altura da minha adolescência e depois os chips e outras coisas que, isoladamente, não valem nada, mas acabam por representar um avanço em qualquer novo aparelho de imagem, ou de som, em que a electrónica é fundamental e imprescindível e que vemos como um todo, ignorando a complexidade dos seus componentes. 

Como as cores dum quadro que só depois de perderem a sua identidade e interagirem entre si, criam, para que, depois, a imaginação faça o resto. 

Como os escritores que utilizando palavras com pouco significado, quando isoladas, conseguem criar cenários, personagens e factos que o comum das pessoas não imaginaria, antes de as ter lido. 

Se os pintores e escritores pudessem, séculos depois da produção das suas obras, ver, sentir e compreender todos os sentimentos que despertaram, todas as reacções que desencadearam, certamente muita coisa teria sido diferente. 

Para melhor, ou para pior, mas de certeza, diferente. 

Se as personagens da História pudessem ler os factos, ver os filmes que originaram, sentir os reflexos das vitórias e das derrotas, certamente teriam dado rumos diferentes às suas acções. 

Mas tudo isto é facilitado ao romancista; ele cria e dá vida às personagens que povoam as suas obras. 

É um privilegiado e a sua liberdade e criatividade nasce muitas vezes nos nocturnos, povoados de realidades e ficções, de cenas do dia-a-dia, do passado próximo ou longínquo, do futuro, incerto e hipotético, ou, em última análise, do nunca, lá nos confins do talvez. 

Se o historiador pudesse dar vida às personagens que trata e maneja quando escreve, seria muito bom. 

Ver desfilar os grandes génios que já cá não estão, seria, certamente, um desejo e uma cena imperdível por qualquer historiador. 

Mas tal não está ao seu alcance, nem ao do comum dos mortais; representa um privilégio do romancista e do poeta, entre outros, sem esquecer os contadores de histórias. 

Acresce a toda esta panóplia de recursos derivados da magia e do jogo das palavras, a imaginação. 

Ela condiciona e modela todos os tipos de análise e vai onde outros recursos não chegam. Penetra onde as técnicas mais sensíveis e os mais rebuscados recursos da arte que cria e recria, com os mais rebuscados efeitos, mas será sempre aleatório encenar o peso da escuridão, dar corpo ao medo, colorir a bruma do nevoeiro, dosear o barulho da cacimba, o sussurro da brisa, ou o silvar do vento. 

Depois, materializar o crepitar da lareira, o bruxulear da luz da candeia, o regougar da raposa ou o piar da coruja atrás do sino da capela, são sensações que ficaram da infância daqueles que, como eu, tiveram e sentiram aquelas realidades. 

Aquela instalação eléctrica em que dois fios finíssimos, partindo de uma pilha de um velho “foxe” iam acabar nas roscas e no chumbo duma lâmpada, foi instalada no meu quarto, nos baixos da casa de fora, onde eu passei a dormir quando já andava no colégio. 

Aí pelos doze anos. 

E o medo? O que é, como se caracteriza e mede? Como se doseia e que reflexos tem, sobretudo durante essas longas noites de inverno? 

Primeiro o escuro e os sons ou a falta deles; depois todo o rol de imagens relatadas para suportar as crendices e as superstições; por fim a imaginação mais ou menos fértil, conforme a força do sono vai permitindo. 

Em boa verdade tudo não passa de pouco mais que nada; andar de noite, sob um escuro de breu, é apenas mais difícil porque não vemos os obstáculos. 

As almas do outro mundo, os monstros e contratempos que povoam a imaginação, são fantasias. Mas… 

Lembro-me de ver homens feitos, com cultura acima da média e mesmo superior, nas noites de instrução nocturna na Tapada de Mafra, a chorar e a implorar que os ajudassem, porque tinham medo, porque o pavor da escuridão lhes tolhia os movimentos e qualquer tipo de reacção. Completamente parados e a tremer. 

Depois, mais tarde, mas matas da Guiné, devorados por milhares de mosquitos, imobilizados em emboscadas que pareciam nunca ter fim, vi homens pedirem a um companheiro para ficarem bem perto dele, porque tinham pavor de se sentirem sozinhos. 

Aqui somava-se a todo o terror da solidão, o instinto de conservação da espécie e chegava-se aos suores frios, ao aumento do ritmo cardíaco, ao dilatar das pupilas e à sensação de ouvir vozes, no mais profundo silêncio da noite. 

Estados de alma indescritíveis. 

As pessoas respeitam e adoram o silêncio talvez porque têm medo dele. Recebem, avidamente, o renascer do sol, como confirmação de que a ordem no mundo não se alterou durante a ausência da luz do dia. 

O imaginário, hiperbólico e destemperado, desvanece-se com a alvorada. O som do ladrar dos cães volta ao normal, a trovoada foi cantar para outro lado – para onde as rezas a Santa Bárbara a mandaram -. A natureza votou a renascer, não florindo e verdejando, mas enchendo tudo o que é ribeiro, riacho ou charco, que havia tempos estavam amortecidos. 

Passou a noite de inverno na aldeia da minha meninice, onde não havia luz eléctrica, onde de noite tudo se apagava e se calava. 

Talvez, algumas vezes, eu e os meus livros fossemos a única coisa acordada na aldeia – até que o petróleo do candeeiro se acabasse e eu acabasse também por adormecer. 

Das muitas coisas que herdei do meu avô, refiro, pela negativa o não ter medo. 

Muitas vezes me explicou, como podia, sempre através de histórias, que medo era coisa que não existia, porque nunca ninguém fora capaz de lho mostrar e se havia coisas que respeitava, não era porque tivesse medo delas, mas porque lhe tinha respeito. 

Devo ter percebido, avô; pois, anos mais tarde, quando fui obrigado a trabalhar com explosivos, a primeira coisa que me ensinaram foi: “trata-se de coisas muito perigosas; são tratadas e manipuladas sem medo, mas com respeito”

E, por extensão, sempre usei aquela máxima, mesmo não estando a trabalhar com explosivos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O relógio do avô



O “relógio” que sempre conheci na pilheira da casa de fora - de onde apenas o vi sair para dentro duma saca de adubo que o levou à do Ti ‘Machado, da Carregueira, para ver se lhe dava um jeito – e a “folhinha” presa num prego, na lareira, ao lado do canto onde, invariavelmente, se sentava o meu avô, eram as duas relíquias de consulta diária, na casa do Casal, onde vivi a minha primeira década, até ir para o colégio de Mação. 

Falemos, hoje, do relógio. 

A pilheira da casa de fora, era uma pequena cavidade na parede, terminada na parte superior em ogiva e com a base formada por uma laje de pedra, que saía da parede coisa de um palmo. 

Era sobre essa base, meio dentro da pilheira, meio saliente, que estava o relógio. 

Acho que terei nascido a ouvi-lo e sempre me lembro de ter adormecido ao som do seu tic-tac. 

Salvo, claro está, naquela vez, em que, por uns dias, foi a reparar e limpar ao curioso-pseudo-relojoeiro, que nas horas de descanso da sua fábrica de pregos e outros artigos de arame, "arranjava" relógios. 

Entre a caixa do relógio e o fundo da pilheira, havia uma velha caixa de folha com letras e desenhos, que fora embalagem de bolachas, recebida como oferta, quando a tia Conceição tinha estado em Lisboa, no hospital. 

Essa caixa era a que servia para minha avó, e mãe, guardarem as economias que iam angariando com as pequenas vendas de ovos, queijos, azeite, vinho, aguardente, frangos e galinhas. 

Era, com essas minguadas verbas que mercavam os tecidos que os paneiros – O João gregório e o Adelino, da Alcaravela e a Ti ‘Carlota, do Penhascoso - vinham vender e onde minha mãe se abastecia para confeccionar camisas, calças, ceroulas, casacos e outras roupas, para as sete pessoas da casa. 

Saía dali, também, para mercearia e sabão, comprados na loja e para as sardinhas, que as peixeiras de Alcaravela, traziam todas as semanas. 

Só muito raramente se pedia outro dinheiro aos homens da casa, para o seu governo. 

Desde sempre os meus pais viveram com os meus avós; a minha tia morreu ainda menina e nós – as crianças – dormíamos na casa do Casal, indo os meus pais, todos os dias, depois da ceia para a “casa nova”, lá nas oliveiras da “horta velha”, onde apenas dormiam. 

A vida era retomada, logo na manhã seguinte, na casa do Casal. 

A “casa nova” passou a ser a casa de todas as professoras da terra; ficava a poucos metros da escola e só à noite servia de local de dormida dos donos. 

Mas, voltando ao relógio: uma vez por semana, meu avô puxava a tripeça, de cortiça, que estava debaixo da mesa, dita do relógio, e, de cima dela, abria a porta, tirava uma chave formada por um tubo de secção quadrangular e terminando em duas aselhas redondas. 

Depois enfiava a chave nas hastes das cordas para as fazer girar até prenderem. 

Do lado esquerdo ficava a corda das horas e do lado direito a corda do mecanismo ou engenho. 

Enquanto estava a rodar a chave – a dar corda -, o meu avô parava a pêndula. 

Depois, adiantava mais um ou dois minutos, para compensar o tempo que parara o relógio e impulsionava a pêndula, restabelecendo o tic-tac, inconfundível. 

É preciso cuidado, pois uma volta a mais na corda pode parti-la, dizia-me o meu avô. 

E lá voltava a história: Uma ocasião, o meu Ti‘Valentim do Melhim, que Deus haja, de onde herdei este relógio, quis ver até onde ia a força da corda e acabou por parti-la. 

Depois, olha, teve de levar o relógio ao Ti‘Machado velho, pai deste que está lá agora, para o arranjar. 

Como ele já não era novo e talvez já visse mal, ou não sei que diabo de relojoeiro era aquele, não se entendeu com aquilo e mandou o meu tio ao Mação a casa de um velhote – Diogo, se chamava ele -.

Ali, em menos de meia hora, caçou-lhe dois vinténs, por meter a corda no sítio, pois tinha saltado, oleado e limpo o mecanismo.

 Limpou, limpou…mas foi os vinténs do meu tio; mas foi dinheiro abençoado, pois, até hoje, não voltou a parar. 

Olha que comigo já está há uns quarenta anos e lá no Melhim, deve ter estado mais que isso. 

Sempre a trabalhar, a não ser três ou quatro vezes que estive fora, quando fui a Lisboa ver a tua tia, que esteve lá no hospital e ninguém lhe deu corda. 

Deixaram para mim, pois sabem que gosto de ser eu a fazê-lo. 

Um dia, aí uns vinte anos mais tarde, o relógio começou a atrasar-se, a parar de vez em quando e o mecanismo das horas não batia as badaladas. 

Meu pai retirou o relógio, embrulhou-o nuns panos e trouxe o relógio da “casa nova” para o Casal. 

O velho relógio ficou anos – mais de quinze ou vinte – dentro do oratório, no canto da casa de fora. 

Até que um dia, talvez uns vinte anos depois de meu avô nos ter deixado, trouxe o relógio para minha casa, combinando que o novo seria para minha irmã. 

Em minha casa esteve bastante tempo sem trabalhar; um ou dois relojoeiros onde o levámos diziam que era um relógio vulgar, sem marca de valor e a própria caixa de madeira teria também de ser substituída, ou restaurada. 

Até que a minha mulher falou ao seu relojoeiro e não só foi restaurada a caixa como foi posto o relógio a trabalhar. 

E há vários anos que marcha e me acompanha com o velho tic-tac que sempre me adormeceu, lá na Serra. 

O relógio não tem grande valor comercial – é, todavia, das peças mais valiosas que guardo em casa -. 

Pelo que acima ficou dito, e porque nem o meu avô, nem o meu pai, tiveram objectos de valor para me deixar, guardo símbolos e recordações. 

Não sei se terá alguma coisa a ver com o relógio do meu avô Zé Lourinho… gosto de relógios e, por onde andei – em casa, nos escritórios -, havia sempre vários relógios. 

Quando, nas longas noites de inverno, o escuro e a chuva, caíam sobre a aldeia, nada mais restando que silêncio, o tic-tac do relógio e o bater das horas, acompanhavam-me e adormeciam-me. 

Também me acordavam, quando nas manhãs das segundas-feiras, ainda completamente de noite e, por vezes a ouvir a chuva sobre a telha vã do telhado, saltava da cama, para passar água pela cara, fazer umas sopas de pão com açúcar, pegar nas duas bolsas que punha ao ombro, tipo alforge, e de chapéu aberto, aí pelas seis e meia, partia para Mação, pois a primeira aula começava às oito e meia. 

O meu avô, aproveitava para ir lá fora fazer a primeira necessidade e quase sempre me metia cinco escuditos na mão, com a recomendação: não gastes mal o pouco que temos; mesmo esse custa muito a juntar. 

E ao meu pedido da bênção, respondia, invariavelmente:

Vai com Deus e que Deus te abençoe. 

E recolhia-se para dentro de casa…talvez com uma lagrimazita no olho; eu tinha apenas acabado de fazer dez anos e ao nascer do sol, já estaria às vistas da Carregueira, ou do Penhascoso – com uma hora e meio de caminho andado.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Os pontos nos “is”

                                                                         Os pontos nos "is"



Sabe, Chefe, uma das minhas preocupações foi, sempre, o cumprimento rigoroso dos seus ensinamentos e recomendações; enquanto estávamos ali na “clínica de vendas” é que se punham os problemas, ou dúvidas, depois de sair aquela porta era cumprir a cartilha e mais nada. 

Sem nunca desviar os olhos dos objectivos, que eram para cumprir, custasse o que custasse. 

Este era o espírito reinante nas reuniões preparatórias das campanhas de vendas e, depois, nos encontros intercalares; nos acompanhamentos, pelo terreno, ajustava-se algum desfasamento que, eventualmente, se estivesse a verificar. 

Uma máquina de vendas que deu cartas no mercado farmacêutico. 

Desde aquele primeiro dia de campo, em Outubro de 73 - completar-se-á, no próximo ano, meio século - foram inúmeras as histórias e episódios que marcaram a nossa actividade de Vendedor/Coordenador, Supervisor, Chefe de Vendas, Chefe de Serviços Comerciais, Diretor de Vendas, Director Comercial e de Marketing e Director Geral. 

Muitos jovens vendedores – mais de centena e meia - iniciaram, connosco, a actividade e alguns vieram a atingir postos cimeiros em multinacionais de referência, nos mercados Farmacêutico, O.T.C., Higiene e Alimentação Infantil, Brinquedos, Cosmética, Venda Directa, Grande Distribuição, Produtos para o Lar e Material Didático. 

Largas centenas de horas em cursos de preparação, treino, reciclagem, formação de quadros e análises de resultados e campanhas, acompanharam a nossa principal actividade, ao longo de mais de quarenta anos. Sem esquecer, como é óbvio, as largas sessões de participação em que fizemos a nossa própria aprendizagem, nas três Companhias onde trabalhámos. 

E, recordamos: 

Lembra-se, Chefe, da descrição feita pelo L.M., da visita que fizeram a uma farmácia de Campo de Ourique, onde o Encarregado – um tal sr. Arnaldo – começou por armar ao fino, gozando com três “periquitos” que entravam na “sua farmácia” e, ao cumprimento inicial, respondeu muito secamente: não compreendo, costumam perguntar pelo meu nome as pessoas das minhas relações, aquelas que eu conheço!.. Os outros, marcam entrevista e perguntam se desejo atendê-los!...Ou os cavalheiros terão sido meus colegas de escola?... 

Na ficha de cliente, passada pelo colega da Propaganda J. M., constava uma nota: Ajudante de trato difícil a princípio, mas muito dedicado ao Laboratório e muito prestável. Cuidado com a entrada! 

Face à atitude do indivíduo, que aliás se enquadrava, perfeitamente nas observações da ficha, o Chefe deu corda ao peixe, relaxou-o, passou-lhe a mão pelo lombo e qual cordeirinho, completamente rendido, acabou por comprar o dobro de tudo o que tinham combinado antes de entrar na farmácia. 

E, no final, o Ajudante Arnaldo, desculpou-se da sua reacção na entrada, entregou um cartão seu, disponibilizou um espaço para colocar dois armários-expositores e terminou: agora que somos aqui vizinhos, pois o Laboratório veio aqui para a nossa área, sempre que precise de alguma coisa, apareça, pois no que lhe possa ser prestável, estarei, sempre, ao seu dispor. 

Recordo o seu comentário: Apenas um que foi à lã e voltou tosquiado! 

Lembra-se, Chefe, da dramatização que o L.M. fez daquela sua primeira demonstração, no terreno. E de ter terminado, dizendo que chegou a temer que o Chefe se exaltasse e não conseguisse dar a volta ao Ajudante? 

Também o A.V. acrescentou que ficou rendido à classe da argumentação do Chefe e considerava uma das melhores peças de artes de venda a que assistiu. 

Tinha acabado de ganhar dois Supervisores para a sua equipa… 

Na minha zona, pelas farmácias das Beiras, também se passaram inúmeras peripécias com o pessoal e com os drs. 

Lembrarei, sempre, aquele dr. da raia que nunca tinha comprado mais que uma dúzia de boiões na campanha anual e, depois de muito bem trabalhado pelos dois – o Chefe, por um lado, dizia mata-se; eu, por outro, dizia esfola-se - acabou por assinar a nota de encomenda. 

Ia lendo por cima do meu ombro, o que eu ia escrevendo e, sorrindo para o Chefe, comentou: ai o filho da p… que já escreveu!... 

Caiu em si e desculpou-se, imediatamente, pela expressão, e pediu-me que a interpretasse mais como sinal de afecto que com qualquer sentido de ofensa. 

E lá comprou, uma grosa de boiões, uma torre de inaladores, duas grosas de pastilhas e, daquele dia em diante, foi uma das farmácias que nunca me recusou a introdução de um produto apresentado de novo. 

Um grande amigo, enquanto esteve na farmácia, tratando-me com um carinho, uma delicadeza e uma dignidade só encontradas nas pessoas nobres e simples que tive o privilégio de visitar regularmente, durante anos. 

Uma das recomendações dadas pelo Chefe, era: atenção aos cumprimentos e à cópia da nota de encomenda que deve sempre ser deixada ao responsável da Farmácia. 

Cuidado com o que se escreve e se diz!.. Nunca esqueçam que vocês são, para a maior parte dos clientes, a única imagem do Laboratório. 

Os nomes correctos de toda a gente, das Localidades e das Farmácias; as observações, as contas, as percentagens de descontos, bonificações, transportes, prazos de pagamentos; a cortesia e tom de voz, a hierarquia do pessoal, a postura da vossa presença, a valorização do vosso tempo, etc. são factores que podem ajudar ou dificultar a visita; porém, nunca serão indiferentes ao resultado do vosso trabalho. 

E aquele caso da farmácia Açoreana, que o Chefe me perguntou se era assim que figurava nos carimbos, no papel timbrado, no nome do placar, ou em qualquer outro lado que eu tivesse visto. 

Dizia-me, o Chefe, que uma das piores coisas que se pode fazer é trocar o nome de alguém, quer escrevendo, quer dizendo. 

Em caso de dúvida, perguntar sempre; pois, se perguntarmos o dobro do que nos dizem, o quádruplo do que pensamos e oito vezes mais do que costumamos, acabaremos por diminuir os erros, aumentar o respeito, facilitar o trabalho e ver melhores resultados. 

E acrescentava: 

A forma correcta de escrever o nome da farmácia será Açoriana, mas como se trata de uma firma de longa idade, terá, provavelmente começado a ser assim escrito e, se estiver registado com e, em vez de i, só nos resta respeitar. 

Aí tem um tema para tratar com o sr. Dr. e aproveitar para marcar pontos a seu favor – é nas pequenas atitudes que se granjeia o prestígio! 

É que saber do seu mister, é uma obrigação que não admirará ninguém, já ser discreto, correcto, cuidadoso e delicado, são atributos que ajudarão no desempenho da actividade. 

Quando cheguei a Coimbra, a primeira coisa que fiz foi consultar o dicionário que tinha comprado, por seu conselho. 

Lá estava, preto no branco: açoriano. 

Telefonei-lhe, perguntando se escrevia o nome da farmácia com e, como estava no carimbo da nota de encomenda, ou se escrevia com e, pouco aberto, como se pudesse ser um i a que me esquecera de por a pinta. 

Lembra-se da sua resposta, Chefe? 

Pôr os pontos nos is é um acto que não deve ser descurado. 

Telefonar ao sr. Doutor, pedindo ajuda, para escrever correctamente, é uma atitude aceitável; porém, pôr uma anotação na ficha e abrir a próxima visita com esse tema é, quanto a mim, a forma mais apropriada de marcar pontos junto do cliente, aproveitando o assunto como embalagem para nova venda, mudando assim o historial do cliente, que despertou na encomenda em curso. 

O seu conselho deu origem a um grande louvor do cliente, que no seu sotaque açoriano, me foi dizendo, sentado no seu pequeno escritório, nos interiores da Farmácia, onde passou a receber-me: 

Sabe senhor J.B. é a primeira vez que alguém me põe esse assunto, que, aliás, tem toda a pertinência, pois açoriano escreve-se com i e não com e. 

Mas os meus antepassados fizeram assim o registo e, por respeito por eles, vamos continuar a usar assim o nome da firma: informe os seus serviços que deverão continuar a escrever mal, mas é esse o nome da farmácia Açoreana. 

Desencontrámo-nos nas andanças da vida; eu segui por outras rotas e o J.B. também. 

Encontrámo-nos bastas vezes, como se diz lá pelo Porto e, numa das últimas vezes em que tivemos o mútuo prazer de almoçar juntos, no restaurante Manuel Júlio, nos arredores de Coimbra, reparei que ainda brilhava, no pulso do J.B. o relógio que ganhara ,há perto de quarenta anos, no lançamento de um produto que, segundo todas as previsões, teria uma penetração de 25% nas farmácias da zona centro do país. 

Só que uma cobertura exemplar, por um vendedor excepcional, colocou o teste de gravidez em mais de 80% das farmácias da zona, sendo considerado o melhor trabalho nos diversos países em que foi lançado o produto. 

São centenas de histórias semelhantes a estas que enriquecem e compensam um trabalho de muitos anos, numa actividade rica e apaixonante; são milhares de personagens criadas por todo a país, que tive o privilégio de visitar, acompanhando, também, personagens simples, carregadas de ensinamentos e conhecimentos que tanta confiança me deram. 

Além de gratificante foi, também, profundamente enriquecedora a actividade desenvolvida com tantos colaboradores anónimos, que, salvo raras excepções, são outros tantos amigos, que tenho a honra de guardar, no melhor das minhas recordações. 

Deixo-lhes os agradecimentos, através daquilo que sei fazer; escrevendo, em sua honra e memória. Para todos vós, do amigo de sempre.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Elegia nobre - monólogo


Meu pai, regando, na horta 

O milho, aqui da Renda, este ano, deitou mais palha que espiga; mas está uma horta de se lhe tirar o chapéu. 

Água, graças a Deus, não tem faltado, a terra foi bem estrumada e ainda levou um cheirito de adubo. 

Até o tempo tem ido de feição – bastante calor e manhãs cheias de maresia, até horas do almoço. 

A passarada veio bastante mais cedo e, que me alembre, nunca vi tantos taralhões a chegar, como neste Agosto. 

Os pincheiros, que nalgumas terras, aqui perto, se chamam branquinhos, vêm lá de umas terras que o Zé me disse que ficam ao pé da Ásia, ou lá que diabo é isso. 

Algures para os lados do Irão, onde já andou a trabalhar um dos moços do Manel da Chã. 

Trazem uma anilha branca, de lata, na pata, com um número muito grande e letras. 

Mais uns dias e desbandeiramos o milho, para ver se fugimos às chuvas que quando apanham os pastos a secar lhes tiram uma parte do chorume e até criam mofo quando se têm de arrecadar húmidos. 

Depois a besta pega-lhes mal. 

Até as abóboras, que acostumamos semear no meio do milho, deitaram duas ou três por cada pé e grandes como não me alembro de ter visto por estas bandas. 

Só o feijão catarino, que também metemos no meio do milho, não deu nada que se veja. 

Pouco vingou e os que se escarpentaram ficaram definhados e ao limpar da flor perderam-se. 

A pouca palha que deitaram, não tem mais que vagens vazias, ou com os bagos mirrados.

Se Deus quiser, para gastos de casa não há-de faltar.

Às vezes, durante as regas, meu pai entrava em monólogos; quer falando sozinho, quer continuando depois de se ter ido embora algum possível interlocutor que, ocasionalmente, por ali passasse. 

Era também vulgar falar com plantas ou animais, com a água que corria nos regos e nas belgas, com os bichitos que se iam levantando e correndo na frente da água. 


Era, verdadeiramente enternecedor, ver e ouvir estes autores e actores, esta gente simples e verdadeira, actuando no grande cenário da Natureza a que pertenciam e com que se confundiam. 

Tal como os passarinhos que não param de cantar se ninguém estiver a ouvi-los. 


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ditos e Tradições



Estava aí o Domingo de Ramos e a Páscoa não tardava; era preciso preparar o obséquio para o senhor padre e acompanhantes da visita pascal. 

Embora raramente comessem alguma coisa era uso que as casas tivessem a mesa posta quando fossem visitadas. 

E, nestas coisas, ninguém, do mais humilde ao mais abastado, queria fazer má figura; ninguém queria ficar nas bocas do povo. 

De uma maneira geral punha-se uma toalha de cerimónia numa mesa, e sobre ela, um açafate de pão de trigo, cozido em casa, queijo, uma malga de azeitonas, um naco de presunto e além das passas de figos, um prato de tremoços. Uma garrafa de vinho ou abafado e os respectivos copos. 

É que mesmo que ninguém comesse ou bebesse, sempre se fazia a bênção do que estava exposto e do resto que houvesse em casa. 

Era uma tradição que já tinham encontrado os meus avós e que haviam de deixar aos que viessem a seguir a eles. 

E o meu avô dizia-me depois, quando eu lhe fazia perguntas: sabes, há coisas em que nem se pensa se são de acreditar ou não, mas se cá as achámos, cá as havemos de deixar. 


Já se sentia na aldeia o cheirinho do pão de trigo acabado de cozer e ainda os moleiros andavam a entregar os últimos taleigos de farinha aos mais atrasados, que não queriam deixar de cumprir as tradições: uma fornada de pão trigo, umas capeludas e uma maceira de bolos com erva doce, cozidos sobre umas folhas de figueira. 

Todas as semanas, iam à aldeia três moleiros, em dias desencontrados: O Ti´Luis Mestre, da Louriceira, ia todas as terças-feiras, falhando só o dia de Entrudo e, fazendo algumas visitas de reforço, quando tinha encomenda especial – para casamentos, baptizados ou outras cerimónias especiais, sem esquecer malhas, matanças e festas. 

O Ti´Manel Fernandes, vinha lá dos fundos do Pisão, na ribeira de Arcês, onde tinha os engenhos, e, quer chovesse quer fizesse sol, logo ao romper de cada quinta-feira, estava à porta dos seus clientes, entregando os taleigos da farinha e carregando, no burro, os sacos de grão para moer até à próxima semana. 

O moleiro da terra – o Ti´Balejo -, recebia os sacos que as freguesas levavam à cabeça até lá a casa, e entregava os taleigos da farinha. 

Raramente se juntavam os três, mas às vezes calhava e aproveitavam para beber uns copitos na do Manel Miguel e trocarem umas prosas. 

Homens de vida muito solitária que adormecem com o barulho das pedras das azenhas e acordam com o silêncio, se alguma coisa corre mal no trabalho, gostavam de prosear quando se viam, pois além de cada um ter a sua freguesia e trabalhar como sabia e podia, não deixavam de ser amigos. 

Cada um tinha a sua especialidade e, no que tocava a trigo, o mestre era o Ti´Fernandes: tinha melhores engenhos, águas mais fortes e não era menos artista. 

Isto era a sentença do concorrente Luís Mestre, que não deixava de ter os seus fregueses para o trigo. 

Dizia-me, com visível contentamento, quando por vezes nos cruzámos: a vossa casa não dá o trigo a mais ninguém, sou eu que o moo todo. 

Naquela vez, quando entraram na taberna, já lá estavam os mestres da safra do lagar, que tinham acabado a campanha havia pouco tempo. 

Palavra puxa palavra e o Ti´Balejo, que gostava de atirar as suas pachouvadas e era, além de inconveniente, no mínimo desbocado, cumprimentou os lagareiros e atirou: 

É raro juntarmo-nos aqui todos, moleiros e lagareiros. E logo três de cada arte. Só faltam os três escrivões!...É que, se assim fosse , cumpria-se a sentença do meu avô, que com graça e, sabe-se lá, alguma sabedoria, dizia: 

Três moleiros, três lagareiros e três “escrivões”, fazem a conta de nove ladrões. 

Salta de lá o Ti’Luis Mestre, homem de poucas, mas sábias falas: estamos cá, de facto, três moleiros e, pelos vistos o Ti´Luis Mendes e o compadre Manuel, têm um especialista também lagareiro. Mas não estou pelos ajustes e não concordo com a sua prosa, mesmo que ela tenha sido ditada por alguém que Deus já lá tenha. 

Sabe compadre Balejo, há coisas que nem a brincar se dizem e vou dizer-lhe que poderiam vir os escrivões, porque não ficavam juntos os nove ladrões. 

E, ao que me parece, só um é tratado pelo povo sabedor pela alcunha do “alma do Diabo”, se bem que continue a achar mal, mas se o povo o baptizou… 

O Ti´Manuel Fernandes, homem pacífico e nada dado a encrencas, ditou: 

Oh! Ti´Manel, deite lá mais uma rodada e não se esqueça aí dos nossos amigos lagareiros. 

Estou de acordo com o amigo Luís Mestre; se alguma coisa prezo é a honra e vergonha, coisas que nem a brincar se podem enxovalhar. 

Parece que o amigo Manuel Balejo, ainda não aprendeu com os sopapos que toda a gente diz que já tem levado, por se meter com quem não deve. 

Mas, o meu bisavô que me ensinou a arte de moleiro, além de sempre me recomendar que nunca me enganasse nas maquias, dizia, muitas vezes: mesmo fazendo tudo muito direito, da fama de desonestos não se livrarão os moleiros. 

E sabes qual é o remédio? Só um, Manel: palavras loucas, ouvidos moucos!... 

Ah! Só mais uma parábola do meu avô: o ditado do Divino Mestre para os moleiros dizia: cada moleiro será condenado a percorrer as casas dos fregueses com sacos de milho às costas, espalhando os bagos que tiver tirado a mais nas maquias, até ao fim dos tempos. 

Há anos que ando pelos caminhos das casas dos fregueses dos meus avós e nunca encontrei nenhum deles, nem vi milho por aí espalhado. 

E estou sossegado que também não receberei tal condenação. Mas, não demos importância ao que a não tem. Vamos à vida. 

Um dos lagareiros ainda se chegou ao pé dos dois moleiros de fora da terra, dizendo que desculpassem e seguissem o conselho sábio do avô do Ti’Fernandes: palavras loucas… 

E lá foram continuar o resto das voltas pelos clientes, enquanto o Ti’Balejo se lamentava para o taberneiro: 

Então já nem uma graça se pode dizer. Aqueles demónios a fazer-se de santos. Que diabo de mal tem um ditado que se diz desde que o mundo é mundo? 

O Manel, para o acalmar lá foi dizendo: Olhe lá, oh! Ti´Manel, quantos taberneiros é que se livram da fama de deitarem água no vinho? Conhece algum? 

O moleiro mais animado, sentenciou: 

Isso é verdade; não conheço porque não há. Mas isso é uma obra de misericórdia; se não fosse assim mais bêbedos haveria e mais desgraças aconteceriam. 

Porque é que com os moleiros e os outros, há-de ser diferente? Que raio de coisa esta. 

E, a cambalear e aproveitando as paredes de um e outro dos lados do caminho lá foi carregar o macho para ir até à ribeira, ver se fazia mais alguma coisa e ir ganhando a vida. 

Mal as pedras rolaram, na azenha, já o moleiro dormia a sono solto, recostado no seu catre de palha.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O “João Osso”


                                 
Às vezes, as coisas simples da vida complicam-se e ultrapassam tudo o que a nossa inteligência pode perceber, ou a nossa imaginação admitir. 

Esta foi a sentença com que o velho Tonho Cardina, deu início a mais um modorrento serão de inverno, não longe da lareira, onde o fogo, bem espevitado, devorava as cavacas de pinho e aguentava a fervura, em cachão, no latão da vianda. 

Todos conhecem o João Melrinho, mais conhecido pelo calça-larga. 

Pois só depois de vir da tropa assim começou a ser chamado; até aí sempre foi o João Osso. 

E, não fora o engano do sargento ao distribuir-lhe umas calças três números acima da medida correcta, ainda hoje seria João Osso. 

E saberão, os presentes, o motivo dessa alcunha? 

O nome ficou-lhe desde que a mãe o deu à luz, numa grande aflição, vendo o homem finar-se, porque um osso de perdiz se lhe atravessou na garganta e acabou por cortar-lhe toda a respiração. 

Tentaram salvá-lo, mas sem resultado. 

Pelas contas da comadre Luísa, a Maria da Luz, que estava a fazer uma barriga normalíssima, só na próxima volta da Lua, havia de completar o tempo. 

Porém, os choros e ais que varreram a aldeia, entre gritos de aflição e correrias desenfreadas, chegaram aos ouvidos da Maria, que voltava da horta, com um molhito de couves, à cabeça, e deixaram-na em estado de choque, agarrada à barriga. 

Enquanto até aí todos procuravam o Ti’Manel Luís, barbeiro, desde a tropa, e curandeiro / sangrador, de serviço na terra, para que socorresse o Chico do Outeiro, que tinha um osso na garganta e ameaçava finar-se; logo se repartiram as correrias, à cata da Ti’Luísa, para ir acudir à Maria da Luz, que na aflição de ver o homem nas últimas, parecia ter começado a largar a criança, antes do tempo. 

O curandeiro, esbaforido e cansado, veio da horta, onde andava a regar e, depois de uma rápida descrição dos factos, afastou toda a gente, estendeu um molho de palha na cabana e pediu a dois dos homens mais pujantes que o ajudassem. 

Precisava de gente com força. 

O Chico estava já mais roxo que branco e, erguido no ar, com a cabeça para baixo, não respondeu a duas valentes palmadas nas costas. 

O Ti’Manel pediu, de seguida, uma almotolia de azeite e tapando o nariz do paciente, despejou-lhe, obra de um decilitro, na boca, mas não verificou qualquer reacção. 

Mandou, de novo, levantar a vítima de cabeça para baixo e, nada se passou. 

Meteu os dedos, até onde pôde e nem sinais de vómito. 

Disse ao Joaquim Albardeiro que soprasse, com quanta força pudesse, na boca do Chico, ao mesmo tempo que comprimia e descomprimia a caixa-de-ar do morto. 

O último gesto do Ti’Manel foi pôr um espelho na frente da boca do Chico e verificar que não ficou embaciado. 

Do outro lado da casa veio a notícia de que a Maria da Luz, estava a fazer honras ao seu nome. Já lhe tinham rebentado as águas e estava próxima a vinda da criança. 

Foi assim que, às tantas, todos deixaram o Chico e voltaram as atenções para os lados dos fundos da casa, onde mãe e filho já se faziam ouvir. 

O ganapo berrava a bom berrar, mostrava sinais de perfeitinho e, com os olhitos ainda cerrados, meneava a cabeça, procurando um peito para começar a mamar. 

O Ti’Manel Luís, encarando a criança, disse: 

Ainda bem que o teu pai já está substituído; hás-de ser João, como o teu avô, que Deus tem, e “Osso” como o que nem eu fui capaz de roer. 

E sempre foi João “Osso” o nome do garoto, até que quando voltou da tropa, como que por milagre, raramente se ouviu esse nome e passou a ser o calça-larga, como todos o conhecemos. 

O velho Cardina, aproveitou para fazer o elogio do curandeiro que, sangrou muitos nas aldeias das redondezas, compôs muitos braços e pernas e curou muitas espinhelas caídas, ou tortas. 

Acrescentou, com plena convicção, que ouviu da boca do Ti’Manel Luís, com toda a segurança, que foi chamado tarde de mais para socorrer o Chico do Outeiro e o estado dele – fortemente bêbedo –, também não ajudou nada a reacção do corpo. 

Um homem daqueles, são como um pêro, forte como um touro e a vender saúde, acaba por ser vítima de uma coisa porque ninguém dá nada: engasgado com um osso de perdiz. 

As coisas mais simples da vida que, quando o demónio quer, podem transformar-se em complicações sem remédio. 

Mas, eu cá sempre fiquei a magicar nas palavras do Ti’Manel Luís: Já não havia nada a fazer; quando cheguei ao pé dele, já estava morto. 

Atão um fortalhão daqueles deixa-se ir assim abaixo!? Ná, não me cheira bem!... 

Cá para mim, foi a comida e bebida em demasia que o mataram; Algum diacho de “constão”, ou lá como lhe chamam, que dum momento para o outro manda um maltês desta para melhor. 

E depois, os que estavam com ele também não davam acordo de si, para explicarem o que se passou na verdade. Ficam as dúvidas!... 

Terminada a história, o Ti’Cardina foi ao cabanal verter águas, deu uma espreitadela para o catavento da torre da capela e confirmou o vento norte que começava a rodar para poente e havia de trazer, por aí, chuva. 

Recolheu-se e, como já todos tinham ido para a cama, quando voltou junto da lareira, apagou os restos de lume e pegando na candeia, subiu os degraus para a casa de cima e deitou-se, ao lado da sua Hermínia, que já ressonava sobre a enxerga de camisos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A mina do Abrunhal

O Calvário foi, desde sempre, lugar de encontro e meditação da rapaziada da Terra, sobretudo os estudantes. 

Tem-se uma vista imponente, daquele pequeno morro, hoje já completamente dentro da povoação, com o Outeiro de Cima à ilharga, pelo norte e o Bairro dos Franceses aos pés, sobre o meio-dia. 

Um conjunto de três cruzes, uma das quais amputada, coroa um pequeno terraço, ligeiramente ondulado, resultante da junção do topo de dois blocos graníticos, desgastados pelo uso, pois, em tempos de maior aperto, nas eiras que distavam dali poucos metros, o local chegou a ser aproveitado para malhar o pão, de pequenas safras. 

Ao lado das cruzes, uns barrocos de uns quatro metros, eram frequentados pelos mais pequenos que se divertiam a subir até ao topo, comemorando a vitória numa batalha em que tinham conseguido mais uma brava conquista. 

Pulavam, tiravam fotografias e guardavam uma prova de que, num dia célebre, escalaram o barroco do Calvário, um dos ex-líbris do Rochoso - assim se chama aquela bela aldeia da Beira Alta. 

Dali, para nascente, via-se a estrada que atravessava a Rasinha. Uma recta entre os cercados das terras de pão e batatas e os baldios de giestas e mato. 

Ao fundo, para lá da curva, em direcção ao norte, perdia-se num pequeno souto de castanheiros, que depois se estendia pelo Abrunhal, até às abas dos pinheiros da folha da Senhora do Monte. 

E, saindo da estrada de macadame, um emaranhado de rodeiras, onde chiavam os carros de bois, dispersava-se entre o morro e a ribeira de Noemi que iria passar pela Cerdeira, ao encontro do Côa, lá para os lados de Porto de Ovelha. 

Os horizontes daquele lado, eram largos; iam até Espanha e divisava-se uma grande parte da linha da raia, para sul de Vilar Formoso, sendo ainda possível distinguir, em dias de céu mais claro, as primeiras elevações de Castela-a-Velha, já no termo de Salamanca, de que sobressaíam as serras Morena e a das Gatas, que o Zé Lines dizia conhecer, como a palma das suas mãos. 

Junto da ribeira, pela nosso lado, portanto pela margem esquerda, corriam os "tramas" na linha da Beira Alta, circulando de Guarda para Vilar Formoso e dali para todos os destinos da Europa. 

Era por lá que iam e vinham muitos dos emigrantes da França e Alemanha. 

No apeadeiro do Rochoso paravam apenas os comboios regionais, que faziam vida entre a Guarda e a fronteira. Quem vinha ou ia para mais longe tinha de mudar, ou na Guarda, ou em Vilar Formoso, se não quisesse descer na Cerdeira, onde até o “Sud” parava. 

Pelo norte, ainda se subia até às eiras e, à guisa de muralha, o cerro dos barrocos protegia a povoação dos ventos do frio e diminuía o horizonte que começava lá longe, a meio dos altos das terras de Pinhel e terminava, já a perder de vista, nas elevações do lado de lá do Douro, a que costumavam chamar Trás dos Montes, como diziam os meus habituais guias locais. 

O Zé Lines confidenciava-me: gosto de olhar para longe, quando ando lá nas Fontainhas; ainda gostava de ir lá atrás dos montes.

Pelo sul e poente, o olhar estendia-se até às terras do Sabugal que iam acabar nas alturas da serra da Estrela, onde não se acabavam as névoas, frios e chuvas, na maior parte do ano e, sobre a manhã e aos fins de tarde se viam, do Calvário, os reflexos do sol nas neves eternas dos cumes da serra. 

Era lá que todas as noites o sol se ia recolher, para voltar na manhã seguinte já no lado oposto, sobre a capelinha da Senhora do Monte, com mais algum calor mandado de Espanha.

Saindo do centro do povo, pelo lado do largo oposto à igreja, cruzam-se os barroquinhos e no Outeiro de Cima, sobre a direita, antes de chegar ao largo da Amoreira, chega-se, a escassos cem metros, à escola, para logo depois do que, pomposamente, se chamava campo de futebol, se chegar ao Calvário. 

Pelo meio, construiu-se, recentemente, a capela de S. Sebastião. 

Neste cenário, depois da ceia, estávamos no centro de uma galáxia em que as luzes dos povoados que dali se avistavam, pareciam estrelas espalhadas, desordenadamente, no firmamento. 

Muitas vezes, estive ali sentado, chupando um cigarro – quando ainda não tinha vencido o vício de fumar -, com alguns homens da terra, que iam até ali, depois de terem bebido umas minis, ou uns meios quartilhos, no Ti’Zé Maria, ou no Ferreira. 

Lembro, o incontornável Zé Lines, ainda na força dos anos, mas já diminuído por uma ou duas passagens pelo Sanatório da Guarda, o Albertino, filho do Ti’Zé Maria, que respondia pela alcunha de “Roque”, o Chico “Preizal”, que veio para ali cabreiro e acabou, pendurado numa trave da adega, deixando um bom rebanho de gado e bastante dinheiro no banco, depois de quase duas dezenas de anos em França, o “Bote Giestas”, um ou dois Ruas, o Vicente e outros do clã dos caldeireiros, com o seu realejo e uma velha concertina, que toda a noite sanfonava, rua abaixo, rua acima e, segundo dizia, era sócio de uma das melhores empresas de recuperação de imóveis da cidade de Paris. 

Na sua expressão era um dos “rois de bâtiment”, e tinha sociedade com uns colegas de Famalicão, especializada em compor “trottoirs”. 

Era o mais ouvido, talvez por ser o que, ao tempo, mais alardeava o dinheiro que crescia a olhos vistos nos bancos da Guarda. Ali se iam bebendo umas minis e se relatavam os episódios mais mirabolantes que me foi dado ouvir. 

Muitas dessas histórias eram contadas e reportadas a locais que os que nunca tínhamos vivido e convivido lá por Champigny, dificilmente enquadrávamos e acabávamos por esquecer. 

Eu e o Zé Lines éramos os que nunca tínhamos sido emigrantes em França e um ou dois, dos outros, estavam, ou tinham estado, na Alemanha e no Luxemburgo. 

Porém, a grande maioria eram franceses e da região da grande cidade de Paris. 

Quando o grupo ficava mais pequeno, às vezes já passava de meia-noite, vinham as histórias da terra e do contrabando e aí, o Zé Lines, ainda era dos melhores. 

Entrava com as suas aventuras a caminho de Nave de Haver, onde havia um Guarda Fiscal, filhote ali duma povoação vizinha do Rochoso, de nome Albardo, e que respondia pela alcunha de “Borrado”. 

Definia-o como: "pouco tendo ficado a dever à inteligência e não aproveitando o que podia ter aprendido na escola".

Tinha um corpanzil alambazado e mão pesada para os que lhe passavam pela porta, quando estava de serviço no posto; era o maior cagarola, pois, no escuro e na solidão da noite, ficava verdadeiramente tolhido de medo de tudo o que mexesse e fizesse barulho. 

Em garoto, numa altura em que esteve fechado o posto escolar de Albardo, andou aqui no Rochoso e metia-se connosco, por aí, aos ninhos, ou nas brincadeiras de explorações de que eu e o Tó Remédios, que já lá está, coitado – Pai, Filho, Espírito Santo! -, gostávamos imenso. 

Tínhamos uma partida em que o “Borrado” caía sempre: empurrávamo-lo para cima de um carvalho, dizendo que estava lá um ninho e, como não era capaz de descer sozinho, gozávamos o pratinho, normalmente a uma certa distância da árvore, por causa dos cheiros. 

O “Roque”, que raramente falava, atirou: Oh! Zé, então e aquela vez em que fomos explorar a mina do Abrunhal! Lembras-te? 

E logo arrancava o Zé Lines, carregando bem nas cores, pois tudo o que fosse para descascar no “Borrado” dava-lhe um gozo especial. 

Então lá vai, mas olhe senhor professor que às vezes exagero um pouco quando falo daquele desavergonhado que se não usasse farda até eu o comia, mas com o senhor aqui, não sairá da minha boca nem uma só palavra fora dos termos da pura verdade. E continuava: 

Um belo dia, o senhor professor precisou de ir à Guarda, no trama das onze e deixou-nos na sala, entregues aos mais velhos e com a atenção da senhora professora das meninas. 

Pouco tempo depois, já todos andávamos no lameiro do Enchido a jogar a bola: só o “Borrado”, que não tinha jeito nenhum, não foi aceite por nenhuma das equipas e ficou ali sentado a ver. 

Ainda se levantou para ser árbitro, mas todos torceram o nariz e lá voltou a sentar-se no cercado do lameiro, do lado do ribeiro, debaixo dos carvalhos. 

O calor apertava e já fartos e cansados, decidimos ir até ao Abrunhal, fazer três coisas: e o chefe do grupo “menino Toninho”, depois do juramento de todos, explicou que primeiro iriam às castanhas, comer até querer e encher os bolsos, a seguir os de fora da terra dariam a merenda para todos comerem, antes de entrar na mina, pois podiam demorar mais tempo que esperavam e, por fim, iriam explorar a mina, que toda a gente comentava, mas poucos, ou ninguém conhecia. 

Estejam descansados que quando lá chegarmos mostrarei os planos de exploração e, fica desde já combinado que se acharmos algum tesouro ele será propriedade do grupo, mas quem mandará nele será o chefe. 

 Vamos para lá e quanto mais perto estivermos, menos barulho. 

A mina começava no fundo de um desaterro a céu aberto e a entrada cheia de silvas, giestas e carvalhos, estava enxuta e sem sinais de uso; não eram visíveis caminhos para dentro da mina, mas os caçadores e os pastores diziam que já tinham visto fugir para lá todo o tipo de animais: gatos bravos, porcos de espinhos, raposas, lobos e outras coisas esquisitas. 

Sentaram-se, debaixo de uns carvalhos, para fazer três grupos de três pessoas, para combinar um assobio de chamada quando encontrassem alguma coisa que valesse a pena e um grito – pedido de socorro – se algum grupo se perdesse, ou precisasse de ajuda ou outra qualquer coisa muito especial. 

A tensão ia subindo e as histórias do chefe de grupo, “menino Toninho”, não ajudavam nada a acalmar os mais medrosos. 

De revelação, em revelação, falou-se da origem, finalidade, feitiços, habitantes, tesouros e todas as fantasias que a mina encerrava. 

Uns ficavam admirados, outros cada vez tremiam mais de medo e outros ainda não ligavam às explicações e queriam era ir ver, com os próprios olhos o que estaria, afinal, escondido naquela mina. 

Por essa altura já havia quem quase chorasse de medo e, particularmente o de Albardo, estava à espera de um pretexto para desistir. 

Quando o “chefe” disse que afinal dois grupos iriam fazer a exploração e o terceiro grupo ficaria ali, na porta da mina, esperando algum sinal que viesse de dentro, ou indo chamar alguém, se os grupos não voltassem até que o sol fizesse uma sombra do Manelito com o comprimento de quinze pés. 

Já se sabia, por ser a medida da sombra, que o Manelito era do grupo que ficava na porta. 

Para escolher os outros dois o “menino Tonito”, disse que quem quisesse podia levantar o dedo e, como todos esperavam, logo o Zé Pires, “Borrado”, levantou o dedo. 

Disse que estava com imensas dores de barriga, se calhar das castanhas que tinha comido, e por isso se oferecia para ficar de guarda. 

Faltava escolher o terceiro, mas logo o chefe viu o “Hóstias”, que era neto do sacristão da igreja e vinha muitas vezes para a veiga que o avô tratava, na cerca do Abrunhal, a tremer que nem varas verdes. 

Perguntou-lhe se também estava doente da barriga e o colega respondeu que tinha de ficar de guarda porque o avô já lhe tinha explicado que nunca poderia chegar-se à mina, porque poderia perder-se lá dentro, ser comido por algum dos monstros que a habitavam, cair para algum poço, ou ficar prisioneiro dos ladrões que lá se escondiam. 

O último explorador de que havia memória, um pastor que se aventurou, com o cão, dentro da mina, foi encontrado mais de quinze dias depois, numa gruta da ribeira, já perto da Cerdeira. 

É que o meu avô diz que esta mina tem ligações para a Cerdeira, para a ribeira das Cabras, já perto de Porto Mourisco e um ramal que começa atrás da Senhora do Monte e vem dar ao centro da mina. 

Estavam nestes preparos quando ouvem um restolhado atrás de umas giestas e salta de lá o Ti’ Zé do Pico, que andava na veiga a regar e viu aquela trupe de garotos a atravessar os castanheiros, em direcção à mina. 

Pensou que o neto não estivesse no grupo, pois fazia-o na escola àquela hora, mas quando se apercebeu que ele fazia parte da turma chegou-se, para o que desse e viesse. 

Foi então que o sacristão explicou que aquelas minas já tinham dado riqueza a muita gente que ali explorou volfrâmio até há poucos anos; a Alemanha, comprava, por bom preço, todo aquele metal para as fábricas de guerra. 

Era com ele que se faziam as balas e as bombas da guerra. 

Ele próprio, quando era pouco maior que eles, andou lá a trabalhar e passou muitos dias sem ver o sol procurando as pedras de volfrâmio, que depois eram vendidas a um senhor espanhol que comprava tudo o que encontrasse, para fazer negócios com os alemães. 

Já ouviram falar de candonga? Depois hão-de pedir, lá na escola, ao senhor professor que vos ensine o que são minas, o que é volfrâmio e todos os negócios à volta disso. 

Mas vou dizer-vos mais alguma coisa sobre as minas, especialmente sobre esta que percorri, primeiro a levar coisas aos mineiros e depois, com a picareta a cavar o minério e a carrejá-lo cá para fora, em carrinhos de mão. 

Para já, só se entra numa mina com um capacete de aço e com luz de gasómetro; aquilo, daqui a poucos metros da entrada é completamente escuro e há sítios onde corre água por todos os lados. 

Depois não há só uma mina, são muitos buracos que se foram fazendo à medida que aparecia volfrâmio. 

Mas se ele estava no chão cavava-se um poço. 

É assim como um labirinto, que ao certo ao certo nunca se sabe até onde pode chegar e, como deve haver barreiras e tectos que caíram, só com cordas, boa luz e cautelas especiais, pode alguém aventurar-se a explorar as minas. 

Quem quiser pode espreitar comigo. 

Logo aqui à direita e ainda com a luz de fora, pode ver-se a sala onde se fazia a contagem de quem entrava e saía, para ter a certeza que ninguém ficara perdido lá pelas galerias. 

Mais tarde diz-se que se chegaram a esconder ali quadrilhas de ladrões, mas, além disso podem ter a certeza que não há mais nada e não vale a pena correr riscos, por uma coisa de nada e, hoje em dia, sem qualquer interesse. 

Aí o meu neto, pensará que lhe menti quando lhe disse que era muito perigoso ir para perto da mina, mas ainda achava cedo para lhe contar que conhecia bem os buracos que estão lá por baixo da terra. 

Poderei ter exagerado, mas não aconselho ninguém a correr riscos que não mostrarão nada mais que cá o Ti’ Zé do Pico lhes acaba de explicar. 

Vamos todos para casa!