domingo, 2 de novembro de 2008

As “bruxas”

O Ti'António Lindo morava no “Casal”, ao canto do pequeno adro da capela, no andar de cima de uma casita, estreita e comprida, com uma varandita de pedra, com uns dois metros por um e guardas de um palmo de altura.

Nos baixos da casa, a loja albergava as galinhas, duas cabritas e uma ovelha, que a Ti'Carolina levava, todos os dias, até ao Casalinho.

Ali, na melhor das poucas hortas da família, uma mina, razoavelmente fornecida de água, dava para regar diariamente e era, por isso, um oásis naquela encosta sul da serra.

Homem de muitas prosas e poucas obras, como dizia o meu avô, o Ti'António Lindo, descia pela pequena escada de pedra – uns quatro degraus – e ao fundo da rua, junto à casa do irmão Abílio, virava à direita para ficar em frente da porta de meu avô, onde se sentava no poial de pedra, coberto pela sombra, na hora da sesta.

Tinha percorrido, de casa até ali, uns sessenta metros.

Encostado ao cajadito, que sempre o acompanhava e lhe servia de amparo, dava a salvação e sentava-se no poial, de onde emitia e captava as últimas novidades e bilhardices, à boa maneira das comadres.

Numa dessas prosas, que eu muitas vezes espicaçava, contou-me o Ti'António Lindo a história das “bruxas do Lavadouro”, sítio junto à nossa horta do mesmo nome, situada na ribeira, no local onde o talvegue aperta e uma fiada de poldras, bastante polidas e desgastadas pelos milhares de pés e patas que por ali passaram, fazem a ligação entre os dois lados da ribeira.

Na maior parte do ano passa-se a pé enxuto, mas no inverno, tem de se ir dar a volta à ponte, uns cem metros, a jusante.

Logo abaixo das poldras, dum e do outro lado, estendem-se as pedras da lavagem, na orla dos lameiros, onde as mulheres estendem a roupa a corar ao sol.

Também ali, nas golas da corrente, se lavam as tripas dos porcos, em tempo de matanças.

Sobranceira às pedras da passagem, uma boiça, de silvas e tojos, ocupa um pequeno patamar, um metro acima do nível da água.

Era, segundo o Ti'António Lindo, o local onde as “bruxas”passavam.

O “diabo” sentava-se do lado de lá das pedras de passagem, naquele altinho, onde agora só há mato e balças, e assistia à passagem das bruxas da Serra, que se dirigiam para Alcaravela; era ali que fazia a contagem e via a habilidade de cada uma, para ter a certeza que seriam capazes de percorrer, em cada noite, sete vilas acasteladas, e chegarem a tempo ao baile.

Como as pedras estão muito puídas e gastas e as bruxas têm pés de cabra, muitas escorregavam e aleijavam-se; o mafarrico, sentado no seu trono, sem elas o verem, é claro, fartava-se de rir e assistia à desistência das que tinham de voltar logo para trás.

Se reparares bem, anda aí uma com uma perna meio desconjuntada e outra com uma partida!...

Depois da passagem, numa grande restolhada seguiam caminho fora.

Nos cruzamentos dançavam em volta do diabo, que seguia na cambada, sem nunca se mostrar, nem ser visto pelas “bruxas”.

Percorridas as sete vilas acasteladas, tinham de se juntar, antes do bater da meia-noite, no terreiro do Chão da Guedelha, além nos altos do cabeço Barreiro, para o bailado final e a grande festa ao Diabo.

Dali desapareciam todas, como por encanto, e iam meter-se na cama, ao lado dos homens, que nem deviam chegar a dar pela falta delas.

Só que um dia o “João Verdugo”, gozado na taberna por nem sequer dar pela falta da mulher e já com um grão na asa muito bem aviado, deu pela falta da mulher na cama.

Pôs-se à coca e quando ela voltava de uma necessidade, pois estava com um desarranjo de barriga, desatou à bordoada e deu-lhe, de tal maneira, que a pobre foi parar ao endireita com umas costelas partidas e nódoas negras pelo corpo.

Quando, daí em diante, lhe falavam em “bruxas”, limitava-se a dizer que a dele estava curada e, tão depressa, não voltaria a sair.

A rematar, o Ti António Lindo sorria e dizia-me: Não acredites nisto, ouviste!...

Todos dizem que há “bruxas”, mas nunca ninguém as viu... a não ser que esteja com os copos, ou seja um grande cagarola!...

São coisas de mulheres, ouviste?!...