sábado, 22 de novembro de 2008

O Chico de Baleizão

O Chico cigano nasceu, algures, nas terras da Amareleja, mas, desde sempre, foi conhecido pelo cigano de Baleizão.

Vivia ali pela vila, não faltava a uma feira de Serpa ou de Beja, e um derriço com uma rapariguita, pouco mais que criança, das Neves, ali à entrada da cidade, obrigava-o a dar voltas, para entrar em Beja.

Não era primeira figura de coisa nenhuma, mas não faltava a qualquer evento onde andassem, por perto, os ciganos. Acabou por juntar-se com uma ciganita, do clã dos Mendes, normalmente com arraiais ali por Barbas de Lebre.

O seu maior amigo era um cigano da Cabeça Gorda que lhe arranjava as bestas e lhe ensinava os truques e disfarces utilizados nos negócios de gado.

E o Chico aprendia bem as manhas e sabia negociar, apesar da sua pouca idade.

Quando chegou a altura de ir às sortes, acompanhou os rapazes de Baleizão e lá foram todos a Beja para serem inspeccionados e apurados, ou não, para o serviço militar.

Foi então que ficou célebre a galga que tentou meter ao médico militar que o inspeccionava:

Numa lenga-lenga em que era artista, disse ao senhor doutor que era uma peninha que o Chico cigano não pudesse servir a Pátria.

É que, senhor doutor, estes dois olhinhos que aqui vê, nunca viram, são ceguinhos desde que “narceram”.

“Atão” o senhor vê aquela mosquita ali na parede?!...

É claro que vejo, respondeu o doutor!... Está ali!...

Pois eu não vejo, senhor doutor, disse, tristemente, o Chico…

Bem, a coisa lá passou, e, nos editais, lá vinha à frente do nome do Chico Simão, a indicação de livre de serviço militar.

Ao meio da tarde, depois da almoçarada do costume, os rapazes das sortes juntaram-se e foram ao cinema que, para alguns, era a primeira vez que tal faziam.

Porém, o sargento que estivera nas inspecções foi também à sessão e, ao deparar com o Chico, atirou-lhe, com ar ameaçador:

Com que então, cego de nascença e aqui no cinema?!... O senhor doutor vai gostar de saber que nesta terra até os cegos vêem cinema!...

O Chico não se desmanchou e, voltando-se para o lado, disse:

Oh! João… Não me digas que enganaram o pobre do Chico! …

“Atão” isto não é a camioneta para Baleizão?!... O que é esse tal de cinema que os meus olhinhos nunca puderam ver?!...

E escapuliu-se, porta fora, para não mais ser visto.