O Luís era o segundo de cinco irmãos e duas irmãs, nascidos e
criados lá na Serra.
O mais velho, o Manel, moleiro toda a vida e amigo de
mandar as suas pachouvadas; nunca foi capaz de se impor aos três ou quatro
moleiros, de fora, que semanalmente batiam a aldeia, ainda que dispusesse de um
moinho de vento, duas azenhas e, mais tarde, uma moagem mecânica.
O segundo na escala de idades, o Luís, foi toda a vida
marchante; mas, do que ele gostava mesmo era de vinho, embora, com copos ou sem
eles, fizesse, na mesma, os negócios.
Seguia-se o José, na terra conhecido por José Matias e fora
dela pelo Moucho, sem dúvida, um dos homens mais influentes nas transformações
que a aldeia sofreu, nos meados do século passado.
O Augusto vinha a seguir e foi sempre ganhando uns
dinheirinhos nos negócios da resina e dos pinheiros para madeira.
O benjamim, o Narciso, foi sempre uma figura apagada,
bastante míope, sem nunca ter tido filhos. Viveu e desempenhou um papel
interessante como encarregado de animais e hortas do Seminário do Fundão, onde,
com a mulher, ainda hoje são lembrados e muito queridos.
Das raparigas, a Maria, a mais velha casou para a Queixoperra
e foi mãe de um dos primeiros licenciados da aldeia.
A Emília desempenhou, sem
nada a referir, o papel de esposa e mãe, lá na Serra, no Melhim, junto dos
pais, que ainda recordo, vagamente.
Num pequeno casebre, paredes meias com as casas de dois
filhos, a Emília e o Augusto, depois de passar o ribeiro do Freixo, a caminho
da Chã, sentado numa tripeça e com uns óculos muito redondinhos, estava,
invariavelmente, o Ti’João do Melhim, pai da família, a ler não sei o quê, nem
onde, mas…a ler.
E, não se julgue que esta afirmação é descabida.
Sê-lo-ia,
por ventura, se não se tratasse da primeira vez que vi óculos e uma pessoa a
ler.
Nos meus quatro ou cinco anos, interrogava-me: para que serviam as rodas
de arame que o velho tinha em riba do nariz.
É meu propósito contar, hoje, uma pequena história que ouvi
ao Ti’Luís, o segundo na escala dos irmãos, a respeito das suas idas frequentes
para as terras da área de Vila de Rei, passando pela Louriceira, de onde
regressava, sempre bêbedo e a desoras e, normalmente, sem perder o gado
comprado.
Tinha um bom anjo da guarda que, a brincar, se dizia que eram
os lobos.
Ele, ainda sério, ou já bem aviado, contava, então:
Um dia, os lobos de Vila de Rei, quiseram reunir-se com os de
Mação, para discutirem quem governava aqui na nossa zona.
Quando os de lá
falaram na Lousa, logo os de cá responderam que nem pensassem: que escolha a
vossa; a terra onde o vento berra e a fome pousa?!...
Pois que seja na Alcaravela, disseram os nossos.
Que é lá
isso, amigos: lá nem homem sério, nem mulher bela; bebem de qualquer púcaro e
comem de qualquer panela!...
Foram nomeando as terras umas atrás das outras e nunca
chegavam a acordo, até que eu ia a passar e disse aos lobos:
“Deixem-me falar com o povo da Serra e arranjaremos tudo.
Penso que podemos arranjar um sítio neutro, onde um esteja no
Mação, outro no Sardoal e outro, em Vila de Rei.
Ainda assim um terá um
ajudante no Penhascoso, outro em Alcaravela e outro no Milreu.
A testemunha
pode estar na Aboboreira.
Todos em território seguro e uns em frente dos
outros.
Até lá, quero guarda de honra…”
Ainda não voltaram a procurar-me, para dizerem o que
decidiram!...
Continuam a fazer-me guarda de honra.
Devem andar a discutir!...
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