quinta-feira, 24 de abril de 2014

Os lobos do Ti’Balejo


O Luís era o segundo de cinco irmãos e duas irmãs, nascidos e criados lá na Serra. 

O mais velho, o Manel, moleiro toda a vida e amigo de mandar as suas pachouvadas; nunca foi capaz de se impor aos três ou quatro moleiros, de fora, que semanalmente batiam a aldeia, ainda que dispusesse de um moinho de vento, duas azenhas e, mais tarde, uma moagem mecânica.

O segundo na escala de idades, o Luís, foi toda a vida marchante; mas, do que ele gostava mesmo era de vinho, embora, com copos ou sem eles, fizesse, na mesma, os negócios.

Seguia-se o José, na terra conhecido por José Matias e fora dela pelo Moucho, sem dúvida, um dos homens mais influentes nas transformações que a aldeia sofreu, nos meados do século passado.

O Augusto vinha a seguir e foi sempre ganhando uns dinheirinhos nos negócios da resina e dos pinheiros para madeira.

O benjamim, o Narciso, foi sempre uma figura apagada, bastante míope, sem nunca ter tido filhos. Viveu e desempenhou um papel interessante como encarregado de animais e hortas do Seminário do Fundão, onde, com a mulher, ainda hoje são lembrados e muito queridos.

Das raparigas, a Maria, a mais velha casou para a Queixoperra e foi mãe de um dos primeiros licenciados da aldeia. 

A Emília desempenhou, sem nada a referir, o papel de esposa e mãe, lá na Serra, no Melhim, junto dos pais, que ainda recordo, vagamente.

Num pequeno casebre, paredes meias com as casas de dois filhos, a Emília e o Augusto, depois de passar o ribeiro do Freixo, a caminho da Chã, sentado numa tripeça e com uns óculos muito redondinhos, estava, invariavelmente, o Ti’João do Melhim, pai da família, a ler não sei o quê, nem onde, mas…a ler.

E, não se julgue que esta afirmação é descabida. 

Sê-lo-ia, por ventura, se não se tratasse da primeira vez que vi óculos e uma pessoa a ler. 

Nos meus quatro ou cinco anos, interrogava-me: para que serviam as rodas de arame que o velho tinha em riba do nariz.

É meu propósito contar, hoje, uma pequena história que ouvi ao Ti’Luís, o segundo na escala dos irmãos, a respeito das suas idas frequentes para as terras da área de Vila de Rei, passando pela Louriceira, de onde regressava, sempre bêbedo e a desoras e, normalmente, sem perder o gado comprado.

Tinha um bom anjo da guarda que, a brincar, se dizia que eram os lobos. 

Ele, ainda sério, ou já bem aviado, contava, então:

Um dia, os lobos de Vila de Rei, quiseram reunir-se com os de Mação, para discutirem quem governava aqui na nossa zona. 

Quando os de lá falaram na Lousa, logo os de cá responderam que nem pensassem: que escolha a vossa; a terra onde o vento berra e a fome pousa?!...


Pois que seja na Alcaravela, disseram os nossos. 

Que é lá isso, amigos: lá nem homem sério, nem mulher bela; bebem de qualquer púcaro e comem de qualquer panela!...

Foram nomeando as terras umas atrás das outras e nunca chegavam a acordo, até que eu ia a passar e disse aos lobos:

“Deixem-me falar com o povo da Serra e arranjaremos tudo.

Penso que podemos arranjar um sítio neutro, onde um esteja no Mação, outro no Sardoal e outro, em Vila de Rei. 

Ainda assim um terá um ajudante no Penhascoso, outro em Alcaravela e outro no Milreu. 

A testemunha pode estar na Aboboreira. 

Todos em território seguro e uns em frente dos outros.

Até lá, quero guarda de honra…”

Ainda não voltaram a procurar-me, para dizerem o que decidiram!...

Continuam a fazer-me guarda de honra.


Devem andar a discutir!...

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