A água da mina da Matagosa era a melhor coisa que “Prudêncio” encontrava naquelas imediações.
Da Portela da Azenha, por toda a Amarela, subindo até à Pedreguina e entrando, depois, na vertente sul da serra do Corvo, até à Milharada, não havia uma pinga de água que se lhe comparasse.
Ferrada, com cor levemente avermelhada, sabor intenso e frescura constante, nenhuma outra caía melhor ao resineiro.
O “Prudêncio”pegava no ferro, ao romper da manhã, passava na cozinha, engolia umas sopas de pão de milho com café de cevada e metia no bornal um bocado de pão com queijo, ou, em dias de mais abastança, um naco de toucinho, e, agarrando, por fim, a garrafa do ácido, fazia-se ao caminho, tendo como primeira paragem a mina da Matagosa, onde metia uma barrigada de água e começava a volta.
Junto da represa que entancava a água, afastava limos, folhas e outras impurezas da superfície e enchia a folha de couve, em forma de caneco, bebendo, com satisfação, uma meia litrada que havia de chegar até à mina do Ti’Domingos, na Milharada, mesmo no final da volta.
Ali, por volta das onze horas, com umas centenas de pinheiros renovados, estava ganho o dia.
É claro que os tempos não eram fáceis e, não era raro os resineiros fazerem uma segunda volta, depois da sesta, até ao pôr-do-sol.
Pelo meio, havia que afiar o ferro, reabastecer a garrafa de ácido, jantar, esticar o corpo num boa sombra e, às vezes, aproveitar para regar uma represa de água, ou tratar de uns mimos.
A resina do pinheiro, que naqueles tempos era toda aproveitada, seguia das nossas terras, em barris de madeira, para as fábricas de Ortiga, Alferrarede, ou para os lados de Leiria e Pombal, onde era destilada, extraindo-se a aguarrás (essência de terebintina) e o pez louro, que, por sua vez, dava origem a muitas e variadas substâncias que alimentavam as indústrias químicas, de perfumes, medicamentos, tintas e vernizes.
Era a matéria-prima que servia de equilíbrio à economia de muitas casas de lavoura e dava trabalho a muita gente do povo.
Quase de um dia para o outro, deixou de interessar.
Confesso que gostaria muito de explicar aqui as razões de tal abandono, os motivos por que acabou a exploração dessa matéria-prima, mas não as conheço, nem nunca ninguém mas explicou, convincentemente.
Mais tarde, os incêndios, de fortuitos passaram a rotineiros; as matas nacionais, primeiro e as privadas, depois, começaram a arder, ciclicamente, os resineiros acabaram, os pastores desistiram, os proprietários cansaram-se e, hoje, resta-nos a resignação de esperar para ver, em cada verão, onde será o próximo incêndio e que dimensões atingirá.
Quero, singelamente, prestar a minha homenagem a todos “os Prudêncios”, de todas as nossas terras, que beberam água nas minas e ganharam a vida fazendo “as voltas”da renova do pinhal e, agradecer, em meu nome e no de tantos outros que puderam estudar e livrar-se daqueles árduos trabalhos, à custa de resineiros, pastores e outras pessoas que cuidavam do alheio, como se de seu se tratasse.
Nota: – Escolhi o cenário da Queixoperra para enquadrar a história que ofereço aos leitores do “Jornal – Voz da Minha Terra –“por duas razões:
Por considerar que se trata de uma das aldeias onde o espírito e conceito de “vizinho”, se mantém muito vivo;
E por ser a Terra onde meu pai nasceu, e viveu até aos vinte e cinco anos.
E, era tão forte esse sentimento, que apesar de viver, depois, setenta anos, na Serra, manteve sempre aquele espírito gregário e de são e puro altruísmo, típico da sua aldeia de origem, a Queixoperra.
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