quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Elegia nobre - monólogo


Meu pai, regando, na horta 

O milho, aqui da Renda, este ano, deitou mais palha que espiga; mas está uma horta de se lhe tirar o chapéu. 

Água, graças a Deus, não tem faltado, a terra foi bem estrumada e ainda levou um cheirito de adubo. 

Até o tempo tem ido de feição – bastante calor e manhãs cheias de maresia, até horas do almoço. 

A passarada veio bastante mais cedo e, que me alembre, nunca vi tantos taralhões a chegar, como neste Agosto. 

Os pincheiros, que nalgumas terras, aqui perto, se chamam branquinhos, vêm lá de umas terras que o Zé me disse que ficam ao pé da Ásia, ou lá que diabo é isso. 

Algures para os lados do Irão, onde já andou a trabalhar um dos moços do Manel da Chã. 

Trazem uma anilha branca, de lata, na pata, com um número muito grande e letras. 

Mais uns dias e desbandeiramos o milho, para ver se fugimos às chuvas que quando apanham os pastos a secar lhes tiram uma parte do chorume e até criam mofo quando se têm de arrecadar húmidos. 

Depois a besta pega-lhes mal. 

Até as abóboras, que acostumamos semear no meio do milho, deitaram duas ou três por cada pé e grandes como não me alembro de ter visto por estas bandas. 

Só o feijão catarino, que também metemos no meio do milho, não deu nada que se veja. 

Pouco vingou e os que se escarpentaram ficaram definhados e ao limpar da flor perderam-se. 

A pouca palha que deitaram, não tem mais que vagens vazias, ou com os bagos mirrados.

Se Deus quiser, para gastos de casa não há-de faltar.

Às vezes, durante as regas, meu pai entrava em monólogos; quer falando sozinho, quer continuando depois de se ter ido embora algum possível interlocutor que, ocasionalmente, por ali passasse. 

Era também vulgar falar com plantas ou animais, com a água que corria nos regos e nas belgas, com os bichitos que se iam levantando e correndo na frente da água. 


Era, verdadeiramente enternecedor, ver e ouvir estes autores e actores, esta gente simples e verdadeira, actuando no grande cenário da Natureza a que pertenciam e com que se confundiam. 

Tal como os passarinhos que não param de cantar se ninguém estiver a ouvi-los.