segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Lisboa... anos cinquenta



O Lajinhas chegou a Lisboa, num dia de Fevereiro, pouco depois de fazer dezoito anos. 

Ia com um primo, servente nas obras do hospital grande – Santa Maria – e ficou a dormir numa enxerga, que lhe fora cedida na barraca das obras. 

Tinha no bolso, bem escondidos, dois contos e quatrocentos mil réis, que juntara de pequenas tarefas, na aldeia, e das poupanças de alguma coisa que o pai e a mãe, separadamente, lhe davam. 

Havia que fazer-se à vida. 

Dois dias depois, foi, com outro parente, até ao cais de Santa Apolónia e ficou louco com uma visita a um barco ali atracado e que estava em altura de visita do público. 

Reparou nos homens que carregavam uma outra embarcação, ali perto, e soube que aquele trabalho, rude, era muito bem pago. Depois de mais umas perguntas, ficou inteirado dos mecanismos da estiva e, nessa noite, já não pensou noutra coisa. 

Um trabalho em que contactasse gente que conhecesse outras terras, onde pudesse aforrar algum dinheiro e lhe permitisse “cortar” línguas, era meio caminho, para os seus projectos. 

Começou a comparecer no “conto” logo de manhãzinha e, durante os próximos três meses, não ficou, uma única vez, sem trabalho. 

Os encarregados preferiam-no: era forte, aplicado e ordeiro. 

Carregou e descarregou de tudo, entendeu-se com uns, pelas palavras, com outros, por sinais e, outros houve, que nunca chegou a perceber. 

Um dia, entrou de falas com um comandante de um cargueiro, da Companhia Colonial de Navegação, e pediu-lhe que lhe arranjasse trabalho, a bordo. Fosse o que fosse; estava decidido a ir para longe e queria ganhar dinheiro, conhecer outras terras e, quem sabe, fixar-se e começar vida, algures, no mundo. 

As palavras do Lajinhas soaram bem nos ouvidos do comandante, que chamou o imediato e lhe disse secamente: vamos levar connosco este rapaz; veja se tem de arranjar alguns papéis, leve-o aos escritórios e inscreva-o, como tripulante indiferenciado. Sai já nesta viagem e veja o que ele poderá fazer, acomode-o, a bordo, e cuide dele. Acho que depois de amanhã, de manhã, poderá apresentar-se ao serviço, mesmo que ainda não tenha todos os papéis da Companhia. 

O rapaz nem acreditava no que lhe estava a suceder. Saiu dali, com o parente e, ao passar na Baixa, entrou na igreja de S. Domingos, onde esteve quinze minutos a agradecer à Virgem, tudo o que de bom lhe acontecia. 

De seguida, separou-se do familiar e seguiu, no eléctrico de Carnide, até às Laranjeiras. Apeou-se e foi a pé, até à obra, onde ainda tinha o catre e a trouxa. 

Esperou pelo primo, que depois convidou para jantar, numa taberna do Campo Pequeno. 

Em ar de despedida, contou-lhe que se ia embora, não sabia para onde, nem por quanto tempo, nem com que trabalho. Deixava tudo nas mãos da “Senhora”, que o havia de proteger, como o tinha ajudado até ali. Apenas adiantou que ia embarcar, num cargueiro da Companhia Colonial de Navegação, de nome Aurora, cujo destino e tempo de ausência, ignorava. 

Na manhã seguinte passou pela estiva, acertou as últimas contas e despediu-se de colegas e capatazes. Foi até ao cais e, ao vê-lo, o Imediato mandou-o entrar. 

Aproveitou para explicar que iria fazer de tudo um pouco, onde dormiria, etc. Não podia adiantar-lhe nada sobre ordenado e outras regalias, pois isso era cargo do Comandante. 

Esperaria, por ele, no dia seguinte, às oito horas. 

O Lajinhas passou a última noite, na barraca, e quase não pregou olho. 

Pela primeira vez foi assaltado por algumas dúvidas, quanto ao seu destino; todavia, duma coisa estava certo: seria muito melhor do que o que a vida lhe proporcionara até ali; era o que queria, não tinha que ter receio, de nada. 

0 horizonte da sua vida passaria a ser o Mundo e não seria ele a estabelecer as prioridades para o começo. 

Seguiria, sem destino, mas com um objectivo muito bem definido – vencer, na vida –.