Disponha-se o leitor a esquecer as agruras da vida, a deixar o stress bem longe, a abstrair-se do barulho da cidade e, a pouco e pouco, ouvir toda a Natureza a tocar, só para si, a mais bela das sinfonias que já imaginou.
Se gosta de ler, leve um clássico e misture o idílio com a leitura. Acabará por sentir-se onde nunca foi, nem nunca esteve.
A paz invadi-lo-á.
Sente-se, na pequena ponte de madeira, sobre o ribeirito, com os pés pendentes para a corrente de água que, uns dois metros abaixo, segue o seu caminho, rumorejando no talvegue do riacho.
Contemple o leito, atapetado em tons de verde; nas margens, as torgas e balças que amarinham pelas paredes das hortas, até ao topo. Junto das poças de água e dos pequenos pegos, onde nadam peixitos e outros anfíbios, crescem carriços e juncos.
As amoras negras, das balças, e as flores de variadas cores das trepadeiras, completam a primeira moldura, no mínimo feérica.
No cimo das paredes, na orla das hortas, filas de videiras, entrecortadas por figueiras, oliveiras, macieiras, marmeleiros e tufos de plantas indeterminadas, têm, como continuação natural, os milheirais e outras culturas da época, que nos meses de Verão enchem as hortas de frescura, junto das ribeiras.
Pelo lado esquerdo, a levada estende-se até ao açude que, àquela hora da manhã, completamente cheio de água, em completa quietude, reflecte o azul do céu, dando um contexto tridimensional de todo o cenário.
O sol, que no mês de Agosto se levanta bem cedo, tem certa dificuldade em afastar a neblina matinal – a maresia que desfazendo-se em gotas, deixa tudo a pingar de orvalho -, ergue-se já e faz-se anunciar pelos primeiros raios que, penetrando por entre os pinheiros, vão projectar-se no monte, em frente.
Para lá do açude, na curva da ribeira, erguem-se os cabecinhos, de um e outro lado, completando a moldura.
A nascente e poente, partindo da linha de água, elevam-se as encostas, até onde não vemos o cume e tudo está coberto, para lá do bordo das hortitas, de pinheiros, mato e outros arbustos.
À retaguarda, o vale abre-se, pelos brejos, em direcção à aldeia, de onde vem o ladrar dos cães, o balido dos rebanhos e o chiar dos rodados das carroças.
Mas, já tão fora de cena que nem sequer é ruído de fundo.
Nas proximidades da ponte toma posição a carricita e a megengra, que junto com a toutinegra e o cata-piolhos, fazem pela vida, em silêncio, e levam para os filhos, ainda pouco experientes, o que vão apanhando.
Mais além, sobre a esquerda baixa, os melros ensaiam os primeiros acordes, no que são seguidos pelas felosas e verdilhões; ao centro, os rouxinóis, que estiveram calados sob as videiras e na laranjeira, atiram os trinados melodiosos e sublimes, qual naipe de violinos. Da direita, vêm os tentilhões e as milheiras, seguidos pelos verdilhões, ferreiros e rabos-vermelhos. Mais atrás, o trinado dos pintassilgos e, em fundo, um pouco mais longe, a cotovia vem completar o naipe, em completa harmonia e angélica sintonia.
Sobre a represa do açude, a arvéloa, qual maestro, agita a cauda, imperturbável à passagem do pica-peixe e, sob o olhar atento do peneireiro, dirige aquela orquestra sinfónica, onde dos graves aos agudos, dos metais à percussão, não falta nada.
Dos altos, o solo de um gaio e uma pega sobrepõe-se às batidas cadenciadas do pica-pau que vinha dando o ritmo e anuncia a passagem do “molto vivace” para o “moderato”.
As rolas, nos pinheiros, num arrulhar doce, introduzem o “pianíssimo”, serenando as crias, despertas pelo wagneriano gaio.
As cigarras, embora não sendo pássaros, ascendem da surdina, em crescendo, e, no momento mais quente, quebram a quietude.
São secundadas pelos restantes naipes da orquestra e, num final apoteótico, dão lugar ao sol que irradia calma e força e convida os intérpretes a um merecido intervalo.
Os sons, as cores e os odores, inundam os ares de frescura e, conjugando-se com a aragem, transformam-se num cenário natural de perfeita harmonia, cuja dimensão e beleza, apenas dependem dos olhos, dos ouvidos … e da sua sensibilidade, caro leitor!...