quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Zézito e os passaritos


Não havia na Terra, nem nas redondezas mais próximas, quem melhor pusesse o laço a um melro – por mais amarelo que tivesse o bico – ou melhor disfarçasse uma azeitona, na boíz, colocada no meio das estevas e para enganar o finório tordo.


Cosido com os cômoros das levadas, camuflado no meio de uma touça de moitas, ou disfarçado por uma carqueja, o Zézito observava, atentamente, como os pássaros se moviam, de onde vinham, para onde iam, quanto tempo demoravam no voo.

Sabia que um melro que saísse da sombra das parreiras da sua horta, tomaria, invariavelmente cinco destinos, consoante a altura e inclinação do levantar do voo, a posição do sol, a direcção dos ventos, a presença de pessoas nas hortas vizinhas, ou de outras aves na zona. 

A própria hora do dia interferia no voo dos pássaros. 

Sem que disso se apercebesse, passava horas a recolher e trabalhar toda esta informação. 

Distraía-se, muitas vezes, das leituras dos “clássicos” e, não raras vezes, se esquecia do livro que levara, de casa, para ler. 

Mas o gozo destes laços, que a Natureza lhe estendia, era superior a tudo o que as mais belas literaturas lhe poderiam ensinar.

Os cantares das aves têm timbres diferentes, exprimem estados de calma, chamam os filhos, avisam as outras aves do bando da presença de predadores, mas também reconhecem um amigo e convidam um dedicado admirador a ouvir uns trinados harmoniosos, ou uns acordes em nada inferiores aos das maiores obras musicais.

Na altura dos ninhos, sabia de todos os do seu raio de acção – da Ribeira, por alturas da ponte, à Renda, junto da azenha, passando o Lavadouro, Brejos e Vale das Lousas, até à Portela da Casinha –.
Mesmo os das carriças – os mais difíceis de localizar –, tão bem camuflados nas paredes da ribeira, ou no meio do musgo das árvores, não lhe escapavam. 

O passarito, que é o mais pequeno daqueles sítios – pesará entre os 8 e os 10 gramas –, solta, invariavelmente, um trinado prolongado e inconfundível, sempre que sai da porta da sua casa. 

Depois, é só procurar com paciência a abertura do ninho, ou aguardar o regresso do inquilino.

Muita confusão lhe causava o cuco que parecendo brincar, ia anunciando “cucu”...”cucu”... cantando, ora à direita, ora à esquerda; umas vezes no alto da Lomba, outras nos Brejinhos.

Havia que esperar, verificar se não seriam dois pássaros diferentes, um de cada lado da ribeira.

Este “passarão”, que além de grande, assim poderá ser classificado por ser pouco escrupuloso, deita fora dos ninhos os ovos que encontra, colocando em seu lugar os seus próprios ovos, transformando, assim, as bem intencionadas avezinhas em amas dos filhos alheios.

Na época dos taralhões, entre os meados de Agosto e de Outubro, o Zézito saía, ao romper do dia, com o molho das costelas e espalhava-as, de árvore em árvore, nos sítios mais frequentadas pela passarada que, daí a pouco, despertaria, com o sol. 

As maresias daqueles finais de Verão e começos de Outono, davam mais brilho aos primeiros raios do sol e faziam luzir as asas das formigas - agúdias – que atraíam os passaritos para as costelas, mal sabendo que seria o último bichito que já nem chegariam a comer.

Estariam, isso sim, na argola de arame, pendurados pelos biquitos, como troféus de caça, exibidos, com todo o orgulho, aos primeiros agricultores que começavam a chegar às hortas, para fazer as regas, ou apanhar as hortaliças.

Na sementeira do milho, pelos fins de Abril, depois de ceifado o ferrejo e levado para fora da horta, onde ia secar, para poder ser guardado no palheiro, fazia-se a lavoura da terra. 

Os torrões e as leivas, de barriga para cima, para arejar e curar as terras, permitiam a uma infinidade de pequenos vermes, formigas, ratitos e doninhas, apanharem um pouco de sol o que para muitos era o fim, acabando na moela das arvéolas, dos melros, das megengras e das toutinegras, além de muitos outros passaritos, atraídos, das redondezas, pelo cheiro de terra húmida, ou pelos avisos dos habitantes. 

Dava gosto ver aquela passarada a fazer pela vida.

Depois de dessorada a terra, gradava-se e fazia-se a sementeira do milho, por duas ou três pessoas; uma coveando, outra semeando e uma terceira tapando as covas e alisando a terra. 

Pela tarde, depois do jantar – a refeição do meio-dia tem este nome, nesta região – e respeitada a sesta, tudo ficava calmo. 

A terra semeada, tomava o aspecto de seca e um ou outro bago de milho, escapado na sementeira, brilhava ao sol e, visto pelas rolas, logo as atraía ao repasto.

Lá estava, novamente o Zézito, estudando-lhes os movimentos, vendo os trejeitos do voo, a direcção do arrulhar e a inclinação do sol. 

Depois espalhava pela horta uma meia dúzia de costelas grandes, onde aplicara um bago de milho furado, bem polido para brilhar ao sol.

Sentava-se, a alguma distância, debaixo da copa duma árvore, que, além da sombra, lhe servia de camuflagem, e esperava... agora sim, lendo mais algumas páginas do livro que levava, ou, olhando, indefinidamente, em redor, ouvindo o marulhar das águas na ribeira, ou saboreando simplesmente a calma e serenidade dos campos, agora que a azáfama dos trabalhos abrandara.

Pelo pôr-do-sol chegava a casa com uma ou duas rolas penduradas na argola de arame, onde pendurava os troféus de caça.

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