segunda-feira, 22 de abril de 2013

Séc’ló Notícias


Completaram-se os nove anos e fizeram-se as tiragens de cortiça na Herdade do Meio e na da Carvalheira de Cima. 

Cento e cinquenta hectares de sobro do melhor, que acabavam de produzir quase dez mil arrobas de cortiça que, vendida a um industrial do Montijo, valeu a bonita soma de quase vinte mil contos – uma grande fortuna, na época, que foi entregue ao senhor Lavrador Lopes Guerreiro, em notas do Banco de Portugal e um cheque visado, no dia em que as camionetas começaram a carregar para o Montijo e para duas fábricas do Norte. 

O senhor Lavrador meteu as notas e o cheque numa bolsa de pano que guardou na casa forte. 

Uma construção de cimento armado, à prova de fogo, de tamanho descomunal e encastrada sobre uma sapata construída num poço aberto no chão, com frestas, cujas ranhuras inclinadas em várias direcções mediam menos de dois centímetros e eram protegidas, por dentro, por uma rede de malha fina. 

A cavidade útil, um cubo de dois metros de lado, era acedida por uma porta encomendada a uma casa especializada de Paris, por um tio do Senhor Lavrador. 

Classificada de alta segurança, era resistente ao fogo, tinha uma estrutura de amortecimento de explosões e dada a situação do celeiro não havia possibilidade de se inundar. 

Abria para dentro e tinha um dispositivo comandado do interior, que com um simples toque escancarava a porta. 

Pelo exterior, dois dispositivos de segredo e uma tranca camuflada e secreta, completavam o fecho do “bunker”. 

Nesta casa forte estavam valores em dinheiro, sempre em quantidade avultada, pois o senhor Lavrador não queria estar descalço, como dizia a miúdo, jóias da família, documentos importantes, armas, correspondência pessoal e de importância familiar, etc. 

Havia sempre fósforos, velas de sebo, um garrafão de água e uma manta dobrada, ao lado de uma pequena mesa e uma cadeira onde se sentava o senhor Lavrador, quando tratava o que precisava. 

Os segredos, das fechaduras e das trancas, eram conhecidos por sete pessoas, divididos em três grupos. 

Essas pessoas agiam individualmente e do conjunto das acções dos três, resultava a abertura da casa-forte: 

O Senhor Lavrador conhecia o segredo das trancas e os códigos das duas fechaduras, isto é, podia abrir e fechar, sozinho, a casa-forte. 

O filho mais velho, doutor Manuel, veterinário no concelho de Beja, conhecia o segredo da fechadura de cima; o feitor, André Cotovia, sabia abrir a de baixo e o maioral do gado sabia desactivar as trancas, mas nunca podiam estar os três junto da casa forte, a não ser quando o último dos três activava o seu segredo e chamava os outros dois, para que o mais velho rodasse o volante de ferro que abria a porta. 

Outro grupo, idêntico a este, era formado pelo doutor Pedro, filho mais novo do Senhor Lavrador, que administrava as cinco herdades da casa e vivia lá no Monte da Herdade dos Bons Ares, que conhecia o segredo da fechadura de cima, pelo contabilista que sabia o da fechadura de baixo e pelo capataz, Agostinho Gancho, que sabia destravar as trancas. 

No Cartório Notarial estava depositado um envelope lacrado com cada um dos três segredos. 

Quando morria o titular, ou deixava de trabalhar na casa, o respectivo segredo era confiado ao novo confrade, sob juramento, pelo notário, na presença do senhor Lavrador. 

Assim, a casa forte só poderia ser aberta pelo senhor Lavrador, por cada um dos grupos de três elementos, ou pelo notário que guardava as cartas lacradas, que só poderiam ser abertas e usadas, em caso de qualquer emergência. 

No Natal de cada ano, os titulares das cartas com o segredo da casa forte e o notário recebiam, num envelope, uma recompensa do Senhor Lavrador. 

Não conheciam as broas uns dos outros, mas todos se dirigiam ao Banco, nos primeiros dias do ano, para depositarem os prémios que tinham recebido. 

Alguns dias depois do recebimento dos valores da cortiça, o Senhor Lavrador chamou o André Cotovia e o Agostinho Gancho, feitor e capataz da Herdade dos Bons Ares e homens da sua inteira confiança, para que apanhassem o comboio, em Beja, e fossem a Lisboa, ao Banco Ultramarino, levar o dinheiro. 

Deviam ir com os olhos bem abertos, sempre um em frente do outro, guardando a retaguarda do parceiro. 

Depois de deixarem o comboio, no Barreiro, era só atravessar no barco e, no outro lado, em Lisboa, atravessavam aquele grande largo que tem um homem em riba dum cavalo, metiam na rua que tem um arco e logo viam uma grande casa com as letras Banco Nacional Ultramarino. 

Há-de dirigir-se a vocês um porteiro fardado que vos dirá bons dias! O André responderá: bons dias!... Vamos falar ao Senhor Mendes; trazemos esta encomenda para ele! E nesta altura mostras-lhe a bolsa. 

No cimo dumas escadas estará um senhor de óculos que vos cumprimentará: olá senhor André!... Como está o meu amigo, o Senhor Lavrador Lopes Guerreiro? Mandou uma lembrança para mim? Vamos ali ao meu gabinete. 

E lá dentro, dás o cheque e o dinheiro da bolsa ao senhor e esperas até que ele te dê um papel que guardas na algibeira. 

Agradeces e despedes-te e já podem ir a uma taberna qualquer, comer bem e beber melhor. 

Depois, apanham o comboio da tarde e, em Beja, há-de estar alguém para vos trazer para cima. 

No banco o director, senhor Mendes, tinha avisado a portaria para mandar subir os dois homens com uma bolsa de trapos na mão. 

Quando tudo estivesse concluído o banqueiro telefonaria ao Lavrador e os homens seguiriam o seu destino. 

Por volta do meio-dia toca o telefone no Monte e o senhor Lavrador ouve do outro lado o feitor André a dizer que tinha havido um contratempo e, como medida de segurança, não foram ao Banco. 

Tinham a bolsa do dinheiro bem guardada e voltavam no comboio das duas, para que já tinham bilhetes. 

Agradecia que mandasse buscá-los, a Beja, lá pelas cinco horas. 

Depois esclareceria tudo; agora era melhor não adiantar mais nada, pois não sabia se estavam a segui-los. 

O Lavrador comunicou ao banqueiro, seu amigo, que tinha havido um percalço com os emissários, mas os valores estavam em segurança e quando conhecesse todo o enredo da história lhe daria notícias. 

Quando os dois homens chegaram à herdade foram entregar ao patrão a bolsa que nem tinham chegado a abrir e que o feitor ainda levava espalmada entre a camisola interior e a camisa, donde não chegou a sair. 

O capataz deu um passo em frente e, calmamente, disse: 

É a primeira vez que volto sem as ordens do Senhor Lavrador cumpridas; acho que aqui o Agostinho se pode gabar do mesmo. 

Mas, mal pusemos pés em terra, à saída do barco, ouvimos aquela chusma de gajos – com sua licença – a gritar, correndo de um lado para o outro, como que a procurar alguém e entregando uns papéis que tiravam de debaixo do braço, dum bornal que traziam a tiracolo, resolvemos não nos meter em embrulhadas e, discretamente fomos comprar bilhetes e voltámos no barco. 

Sossegámos um pouco, pois parece que nos terão perdido de vista e, no barco não demos por ninguém a seguir-nos e, também na estação parece que não estava ninguém à nossa espera. 

Metemo-nos na carruagem, sentámo-nos na frente um do outro e trouxemos para casa a sua encomendinha. 

Que nos perdoe o patrão, mas sempre se disse que o seguro morreu de velho. 

Aí, algo intrigado ainda, o Lavrador perguntou: E que raio dizia essa gente lá na estação dos barcos e nos passeios à volta? 

Adiantou-se o Agostinho, respondendo: “Cerquem os da cortiça!... Cerquem os da cortiça!..” E logo, do lado, outros repetiam: “Cerquem os da cortiça!... Cerquem os da cortiça!” 

O Lavrador, mantendo toda a calma do mundo e fazendo um grande esforço para não desatar à gargalhada, disse-lhes: 

Fizeram muito bem em não arriscar a vossa vida e a perda dos valores que vos confiei e que chamaram de encomendinha, mas vou agora contar-vos um segredo que nunca sairá de nós os três: 

A encomendinha, como acabaram de me dizer, chega para comprar cinco ou seis das maiores herdades do concelho e os ardinas – os homens que vendem os jornais, apregoavam O Século e o Notícias!..., nada mais. 

Então como diabo haviam eles de saber que vocês eram os homens da cortiça? 

Vocês disseram alguma coisa a alguém? 

Penso que não e calados vão continuar, pois o segredo é a última parte do nosso trato. 

Foram a Lisboa a um recado meu e não se fala mais nisso, ouviram!?... 

Obrigado pela ajuda e tenham lá paciência pelo cagaço que apanharam. 

Passados anos, no fim do almoço o Senhor Lavrador mandou chamar o feitor André e o capataz Agostinho, para que organizassem uma tenta de vacas, para o dia seguinte – festa que queria oferecer ao senhor Doutor Mendes, director do Banco Nacional Ultramarino de Lisboa. 

Ambos se retiraram, respeitosamente, mas o feitor não se conteve e perguntou ao capataz: você acha que o patrão guardou mesmo o segredo e não contou ao senhor de Lisboa a nossa história dos homens da cortiça? 

E, não esperando pela resposta, partiram os dois para as diligências e providências que cada um teria que tomar para que a festa fosse digna dos pergaminhos da casa que serviam, muito honradamente. 

E nunca ouviram falar nada, continuando com a ideia de que o patrão cumpria o que dizia – era homem de palavra, tal como eles. 

Porém nos escritos do senhor Lavrador foi encontrado um manuscrito, como uma folha de diário, com o episódio base desta história.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O castanheiro dos Tocos



O centro do país – concelhos de Sardoal, Mação e Vila de Rei – coberto de pinhal, esteve ocupado por soutos de castanheiros, que muito contribuíam para o sustento de gentes e animais. 

Hoje restam vestígios dessas árvores, cujas copas chegavam a atingir algumas dezenas de metros e a dar muitas arrobas de castanhas. 

O meu avô, nascido nos anos de 1880, dizia-me que a quase totalidade dos terrenos da aldeia esteve povoada de oliveiras, sobreiros e, principalmente castanheiros, até começos do século XX. 

Porém, a tinta e o cancro do castanheiro, quase acabaram com a espécie e deram entrada ao pinheiro bravo, que mudou, completamente, a paisagem destas terras do centro de Portugal. 

O maior castanheiro que vimos, nas redondezas da aldeia, situava-se no termo da Saramaga, ao cimo das terras da Amieira Cova, a meia encosta entre a ribeira dos Tocos e o monte que a ladeia a poente. 

Chamavam-lhe, o castanheiro dos Tocos. Era uma árvore imponente… mesmo majestosa. 

Ainda nos anos 50, quando por ali andámos, tinha uma copa com uns 15 metros de diâmetro e o tronco media dez metros, de perímetro, sendo necessários seis adultos, de mãos dadas, para o circundar. 

Dois metros e meio acima do solo, o tronco ramificava-se em diversas pernadas e ramos, que, começando com a grossura da nossa cinta, se estendiam por uns sete metros, até à ponta dos ramos. 

Segundo a voz do povo, a árvore estaria perto dos mil anos: teria crescido nos primeiros 300, vivido até aos 600 e envelhecido nos restantes 300, ou 400. 

O castanheiro servia de abrigo a homens e animais, especialmente a câmara que se tinha formado no interior do tronco, já carcomido e cercado de pedras e plantas selvagens. 

Abrigava-se, ali, um pastor com umas dez ou doze ovelhas. 

As castanhas da variedade bical, suculentas, fáceis de descascar e pilar, tinham sabor adocicado. 

Com o andar dos tempos, os terrenos vizinhos foram sendo menos limpos. O mato e as silvas subiam pelas ramagens até meio da árvore. 

O abrigo recôndito, no tronco, fora abandonado e apenas os mendigos nele dormiam, se ali passavam. 

Nos finais dos anos cinquenta, num dia de Outono, gerou-se um burburinho na aldeia e logo se espalhou a notícia de que os lobos que tinham comido 3 reses na Saramaga, 4 nas Lercas e uma lá na Serra, tinham sido perseguidos, pelos cães, e estavam refugiados no castanheiro dos Tocos. 

Tocaram os sinos, a rebate, e juntou-se o povo, nas várias aldeias. 

Formaram-se grupos de caçadores, com armas e cães. Marcharam para os Tocos, com o cabo-de-ordens a comandar a campanha, e uma chusma de populares atrás. 

No perímetro do castanheiro, aí a uns cinquenta metros da árvore, foram soltos e açulados os cães e gerou-se grande algazarra. 

Porém, ao fim de largos minutos, apesar da impaciência de animais e gentes, nada tinha aparecido. 

No cerco continuavam os caçadores, de arma aperrada, esperando. 

O cabo-de-ordens foi junto dos caçadores e gritou, para o povo: o que lá estiver tocaiado há-de sair, a bem, ou a mal. 

Pegou numa acha de palha e feno, acendeu-a, aproximou-se do castanheiro e lançou-a. 

Pouco depois ardia, como tocha imponente, o que fora o mais representativo dos exemplares dos castanheiros da região – o castanheiro dos Tocos –. 

Ouviram-se três tiros, tendo sido considerado certeiro o do único caçador da Serra – o António Perdiz –, tido como homem experimentado e artista no gatilho. 

A fera abatida, foi levada para a aldeia do caçador que a abatera – a Serra, e foi pendurada no velho plátano, existente no pequeno adro da capela. 

Não deve ter havido ninguém que não tivesse ido ver o lobo do castanheiro dos Tocos e veio muita gente das aldeias vizinhas; tratava-se de um soberbo lobo macho, com sinais de fractura antiga numa das patas traseiras e mais comprido do que um homem. 

Foi atingido na cabeça e caiu redondo, no chão. 

Meses depois pouco se falaria daqueles dois exemplares dignos do pincel de um artista: o lobo, que, tanto quanto sabemos, foi o último a ser morto por aqueles lados e um dos mais dignos exemplares da dinastia dos castanheiros, que provavelmente teria ultrapassado o milénio, por aquelas bandas do País. 

Lamentamos o desfecho da história, nada edificante, que simboliza a extinção de duas espécies raras, na região onde temos as memórias da nossa infância e juventude: 

O lobo (lupus canis signatus, Lineu). 

O castanheiro (castanea sativa, Miller). 

Que, entre outras, são personagens vivas da nostalgia daqueles viveres que marcaram, durante séculos a vida daquelas gentes simples que, amando árvores e animais, até à idolatria, assistiam, festivamente, à sua extinção.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Vidas



Durante toda a semana, foi grande o alvoroço em casa do “Ti’Zé do Casal”. 

O pão não foi cozido à segunda-feira, como habitualmente, mas na quinta-feira e de trigo, em vez de milho.

Mataram-se algumas peças de criação: um galo e um chibito de leite. 

Lavaram-se, a preceito, dois garrafões e encheram-se do azeite da melhor talha, e, igualmente, duas garrafas de vinho abafado e outras tantas de mel, encomendado ao João Cuco, que era quem melhor e mais asseado conseguia apresentá-lo na Terra. 

Ao cair da noite, estava tudo arrumado em dois cestos de verga e uma pequena trouxa, com roupa. 

Restava deixar passar o tempo até chegar a hora de arrancar para Alferrarede e apanhar o comboio, com destino a Lisboa. 

Mal rompia a manhã, foi o Ti’Zé pensar os animais. 

Depois, passou pela tapada, atrás da casa e baixou-se, na horta, para as necessidades. 

Em casa, pôs os dois cestos atados com um cordel, à guisa de alforges, sobre o ombro e, com a trouxa no braço, fez-se ao caminho. 

Nas três horas que demoraria até à estação, quantos pensamentos, projectos, lamentações, rezas e, vá-se lá saber que mais, passariam pela cabeça do Ti’Zé. 

O que importava era poder ver, mais uma vez, uma das duas filhas, na casa dos quinze anitos e, ia para dois, internada no hospital de Dª Estefânia, em Lisboa. 

Lá nada lhe faltava, nem sequer educação, pensava o desvelado pai, uma vez que a prima Deolinda a ia visitar, regularmente, e não deixava que nada lhe faltasse. 

Se pudesse, tinha a certeza, até a saúde lhe levaria... 

Atravessou três ou quatro povoados, onde pouco mais que os cães davam pela sua passagem – não gostava de sair atrasado – e cruzou essas aldeias ainda alta madrugada. 

Pouco subira o sol no horizonte e já chegava à estação. 

Comprou bilhete e sentou-se num banco, onde ainda esteve uma boa hora. 

Com a primeira etapa vencida, apanhou o comboio e num dos bancos da terceira classe, arrumou os cabazes e a trouxa por cima, e foi olhando para os campos, em redor do rio grande, onde manadas de cavalos e gado diverso, pastavam naquela manhã, ensolarada de fins de Março. 

Pela altura do sol devia ser meio-dia, quando desceu na estação do Rossio, em Lisboa. 

Voltou a pôr os cabazes a tiracolo e a trouxa ao ombro e dirigiu-se para a saída, onde não foi difícil descobrir o filho da prima – o Rui –, que já o aguardava. 

Os cumprimentos da ordem, as recomendações da família, a pergunta pela saúde da menina e lá seguiram no eléctrico do Conde Barão, para casa da prima Deolinda. 

Ao chegar, a prima acabava de voltar da venda que tinha na Praça da Ribeira Nova, de onde trouxera uma imponente cabeça de pescada que seria cozida, com batatas e hortaliça para o almoço. 

Cumprimentaram-se os primos todos e quanto à saúde da pequena Conceição, não eram boas as notícias, pois não tinham sido muito bons os resultados dos medicamentos aplicados. 

E olhe que do melhor e mais moderno que há, pode o primo ter a certeza!... 

Oh! Prima Deolinda, nunca nos passaria pela cabeça que assim não fosse. Sabemos que se a saúde se comprasse, não eu, que não tenho posses para tal, mas a prima que gosta tanto da nossa menina, já teria resolvido tudo!... 

...Mas, Deus lá tem os seus destinos e que ao menos tudo seja por desconto dos nossos pecados. 

O que a prima tem feito nunca lho poderemos pagar. 

Deixe lá primo. A menina está bem tratada, aprende muito bem a fazer costura e renda, gostam muito dela e até vão ter pena quando lhe derem alta. 

Ainda vão tentar mais uns medicamentos novos e outras coisas, mas só Deus pode salvá-la, ao que me dizem as médicas. 

Graças a Deus não sofre muito e é muito bem tratada, disso tenho a certeza absoluta – tenho lá as minhas recomendações. 

Deus há-de lembrar-se de si e de tudo o que faz por aquela infeliz, que sem a prima já estaria morta ou, sem aquela perna... e, com uma lágrima ao canto do olho, acrescentou, com embargo na voz: 

Trouxe aí uma coisita que gostaria que fosse arrumada, pois já foi morta ontem. 

Vamos já tratar disso. Depois almoçamos e vamos ao hospital; ela desconfia que neste fim-de-semana tem a melhor surpresa da vida – a sua visita, primo –. 

Foi um tanto pesado o tempo do almoço e a viagem até ao hospital. 

Depois foi a própria garota que revelando todos os conhecimentos e boas-maneiras que adquirira já em Lisboa, animou o pai, contando-lhe coisas, perguntando pelas pessoas da terra e se queria ir até ao Jardim Zoológico, para lhe contar tudo, pois quando saísse do hospital haveriam de passar por lá. 

As quase duas horas de visita foram penosas: imaginar a menina coxa no resto da vida, sem uma perna, sempre doente, sem os cuidados a que já se habituara, tudo diferente, tudo... que martírio, ter de pensar em tudo aquilo. 

Vidas!...