No alto da Horta Velha, encimando o Vale de Incenso e coroando a chapada do Pardieiro, emerge, de um pequeno planalto, um maciço rochoso que serviu de base a um moinho de vento, há muitos anos desaparecido, sem deixar rasto ou vestígios.
Esse local, ainda hoje se chama moinho da Maxieira.
Do alto do moinho, que servia também de habitação ao moleiro Ricardo, desfrutava-se um panorama imponente: na linha do horizonte, os cumes da serra dos Bandos a nascente, as terras de Vila de Rei a norte e poente e o vale do Tejo a sul, com o morro e a cidade de Abrantes a sobressair dos nateiros ribeirinhos e a marcar o início das planuras do Alto Alentejo.
O morro, demarcando a linha de águas entre a Serra e a Aboboreira, terá servido de atalaia e posto de vigia, recebendo e transmitindo, para Abrantes, os sinais luminosos, indicativos da aproximação de tropas hostis, em marcha sobre o vale do Tejo, a caminho de Lisboa.
Também os Templários terão usado o local para ligações, à vista, entre o Alentejo e Tomar, através da ligação com a serra da Melriça, centro geodésico de Portugal.
No sopé, a sul e oeste do pequeno maciço, havia um souto que dava as melhores castanhas da região.
Entre os castanheiros florescia uma pequena horta, regada por uma represa que recolhia as águas de uma nascente que aflorava poucos metros abaixo da porta do moinho.
Entre a horta e o moinho, havia um palheiro, residência do velho burrito, e uns cortelhos, para a cabrita e o porco.
Completava o cenário o velho moleiro, de nome Ricardo, como o pai e avô, e de que mais nada se conhece.
As pedras do moinho da Maxieira, onde hoje está um talefe dos serviços de cadastro geodésico, desapareceram; toda a gente se empenhou em recolher e guardar algumas relíquias do local.
Diz a lenda que casa onde fosse colocada uma simples pedra do velho moinho não ardia, não seria assaltada, nem nela entraria mau-olhado ou quebranto. Também os animais da família seriam protegidos de maleitas e doenças.
Ao tio Ricardo, que não se sabe ao certo quem foi, nem de onde era filhote – todas as aldeias, em redor, reclamam a sua naturalidade -, são atribuídos dotes de santidade e a sua memória foi, muitas vezes, invocada como milagrosa, segundo referência dos mais velhos, quando relembram as palavras de outros mais velhos.
A fama dos poderes do velho moleiro Ricardo, da farinha moída no seu moinho, das águas da sua represa e das castanhas do castanheiro em cuja sombra o moleiro dormia a sesta e o sono de muitas noites, persistiram muito para cá do desaparecimento de todo o cenário.
A procura das pedras do moinho, de rebentos de sobreiro para plantar e de tudo que se referisse ao local, acabou por não deixar pedra sobre pedra e originar as mais variadas lendas e crendices.
Garantem os mais velhos que nunca se soube, ao certo, onde foi enterrado o velho Ricardo; há até quem sugira, embora cheio de receio, que nunca houve Ricardo, nem moinho na Maxieira. Porém, os exageros não ajudam, em nada, a chegar à verdade, nem é esse o nosso objectivo.
Por respeito e por tudo o que mais se admita, todos preferem calar-se; ninguém quer ficar sujeito ao que de mal lhe possa acontecer e, como é costume, no povo, não se acredita nem deixa de se acreditar – respeita-se a tradição –.
Todavia sempre se aumentam ou diminuem os tons das histórias, que, de boca em boca, passam, transversalmente, de geração em geração.
Mas olhe que é verdade que já muitos foram os que se viram em aflições, com lobos, visões e coisas esquisitas, bem como com doenças e complicações e se apegaram ao velho Ricardo, que Deus haja. Passaram, imediatamente, por cima de tudo.
Foram estas as últimas palavras que ouvi, bastantes anos atrás, sobre o assunto.