terça-feira, 12 de agosto de 2014

O lenço a dizer adeus!…


Havia muito tempo que não assistia aos festejos anuais da minha aldeia. 

Ou porque a data coincidisse com compromissos sociais e obrigações familiares, ou porque outros eventos me desviassem, os anos foram-se passando e eu não ia às festas.

Até que neste ano da graça de 2014, se conjugaram as coisas e, com muita saudade e prazer fui rever as pessoas e lugares que constituíram o meu primeiro mundo e ainda ocupam um lugar cativo nas minhas memórias de infância.

Os anos passaram, os acontecimentos rolaram e, para além das Histórias de Gente Simples que vão conseguindo abafar o meu desejo de estar por perto daqueles caminhos, daquelas gentes e daqueles costumes, pouco vai ficando.

Porém, nestes dias, confirmei que as memórias antigas não se apagaram, e quando me acontecia perguntar por alguém que já deixou o mundo dos vivos, localizava os rostos e os traços que deixara de ver muitos anos atrás.

No recinto da Associação, onde foi preparado o altar e celebrada a missa, pude apreciar e admirar todas as pessoas, participando, à sua maneira e surpreendendo-me, até, com a evolução do seu ritmo natural e a evidência da sua fé.

Para uma Assembleia de Gente Simples, com um padrão etário elevado e permeável a análise e consciencialização, soube o celebrante da missa, senhor Padre Amândio, fazer uma homilia muito a propósito, exortando, cada um, ao cultivo da paz interior e ao bem-estar consigo próprio. 

Desse modo todos poderemos viver a vida como ela deve ser vivida; cada um deve ter a sua meta de felicidade e nunca abandonar esse objectivo, na certeza que depois do copo cheio ele não leva mais e aos olhos do Juiz Supremo, todos os copos cheios terão o mesmo valor, independentemente da sua capacidade. 

A “palavra” foi percebida e a Assembleia gostou…

A Organização dos festejos, da responsabilidade da Associação da Serra, mostrou, mais uma vez, um Homem que já cumpriu muitas etapas de vida, tem gasto muitos anos na luta, sem tréguas, visando a excelência, subiu, a pulso, todos os degraus que a vida lhe apresentou, nunca descansou sobre os louros e, acrescentaremos mesmo que até a morte soube vencer. 

Espero, desejo e exorto os meus conterrâneos a prestar-lhe a homenagem que acredito que não deseje, mas estou certo que todos lhe desejam prestar. 

Desafio os mais novos a reverem-se no exemplo de um Homem - o dr. Manuel Serras - que soube provar que Simplicidade nunca será sinónimo de Inferioridade.

Passei, várias vezes, os olhos pela Assembleia, lembrando uma afirmação de um velho amigo que já nos deixou e me dizia: senhor professor, permita-me que o trate como o seu avô José Lourinho gostava que se dissesse. 

É para lhe dizer que isto aqui acabará tudo por acabar: temos para aí viúvas às dúzias, homens com menos de meio cento de anos contam-se pelos dedos e crianças…nada.

Naquele preciso momento fixaram-se-me os olhos numa velhinha, curvada sob as décadas de duras labutas, mas, à boa maneira de outros tempos, com o lenço de merino escuro, atado na cabeça. 

Fomos à conversa e quando me disse que nunca mais esqueceria os tempos que estivera no Fundão, passou as mãos pelo lenço, levantou os olhos e disse que o homem se tinha ido de repente. 

Momentos depois voltou a falar da sua solidão – que Deus nunca lhes deu filhos – e, novamente as mãos a ajeitar o lenço. 

As palavras eram simples, às vezes embargadas, mas o brilho dos olhos e o toque no lenço…

…Um lenço a dizer adeus!...

Não continuámos. Ela pediu para me dar um beijo, de agradecimento por tudo o que fizera por eles, recomendando-os para a casa onde acabaram por ser tão felizes. 

Confesso que não esperava aquela reacção e, apanhado de surpresa, pedi para lhe tirar a foto que ilustra esta pequena História de Gente Simples.

Termino com uma palavra de muito carinho por todos os meus primos que, sabendo da minha presença, se deslocaram da Queixoperra e quiseram estar comigo e a minha mulher Irene. 

Obrigado a todos e Deus dê saúde e prosperidade à família Valente.

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