domingo, 16 de fevereiro de 2014

O Chico de Baleizão


O Chico cigano nasceu, algures, nas terras da Amareleja, mas, desde sempre, foi conhecido pelo cigano de Baleizão, ou o Chico de Baleizão..

Vivia ali pela vila, não faltava a uma feira de Serpa ou de Beja, e uma rapariguita das Neves, pouco mais que criança, com quem teve um derriço, obrigava-o a dar algumas voltas, antes de entrar em Beja.

Não era primeira figura de coisa nenhuma, mas não faltava a qualquer evento, desde negócios a zaragatas, onde andassem, por perto, os ciganos. 

Acabou por juntar-se com uma ciganita, do clã dos Mendes, normalmente com arraiais em Barbas de Lebre, mesmo no limite de Baleizão. 

O seu maior amigo era um cigano da Cabeça Gorda que lhe arranjava as bestas e lhe ensinava os truques e disfarces utilizados nos negócios de gado.

O Chico aprendia bem as manhas e sabia negociar, pelo que, apesar da sua pouca idade, nunca se lhe acabava o dinheiro nos bolsos.

Quando chegou a idade das “sortes”, acompanhou os rapazes de Baleizão e lá foram a Beja para a inspeccão e apuramento, ou não, para o serviço militar.

Foi então que ficou célebre a galga que tentou meter ao médico militar que o inspeccionava: 

Numa das lengalengas em que era artista, disse ao senhor doutor que era uma peninha que o Chico cigano não pudesse servir a Pátria. 

É que, senhor doutor, estes dois olhinhos que aqui vê, nunca viram, são ceguinhos desde que “narceram”!... 

“Atão” o senhor doutor vê aquela mosquita ali na parede?!... 

É claro que vejo, respondeu o doutor!... Está ali!..

Pois eu não vejo, senhor doutor, disse, tristemente, o Chico…

Bem, a coisa lá passou, e, nos editais, vinha à frente do nome do Francisco Simão, a indicação de livre de serviço militar.

Ao meio da tarde, depois da almoçarada do costume, os rapazes das sortes juntaram-se e foram ao cinema, o que, para alguns, incluindo o Chico, era a primeira vez que tal acontecia. 

Porém, o sargento que estivera nas inspecções foi também à sessão, no cinema e, ao deparar-se com o Chico, atirou-lhe, com ar ameaçador: 

Com que então, cego de nascença e aqui no cinema?!... O senhor doutor vai gostar de saber que, nesta terra, até os cegos vêm cinema!...

O Chico não se desmanchou e, voltando-se para o lado, disse: 

Oh! João… Não me digas que enganaram o pobre do Chico! … 

“Atão” isto não é a camioneta para Baleizão?!... 

O que é esse tal de cinema que os meus olhinhos nunca puderam ver?!...

E escapuliu-se, porta fora, para não mais ser visto.

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