quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O barrete do Ti’Manel


O ti’Manel Pisco morava lá para o cimo do Casal, junto ao ribeirito que descia da Barroca para a Horta de Casa.

Na cachoeirita, junto à casa, numa curva do caminho, chegou a lavar-se a roupa e até foi local de lavagem das tripas, por alturas de matanças do porcos.

A Ti’Maria da Barroca, com quem casara, muitos anos antes, sempre fora mulher de pouca saúde e fracas cores.

Cuidava dos dois filhos e guardava duas ou três cabritas e uma ou duas ovelhas, donde provinha o leite que, nas falas do povo, dava os melhores queijos da terra.

A casa de habitação, retirada da rua, num cotovelo do ribeirito, tinha anexos os cómodos do costume: barracão, cabana do carro, palheiro do macho, cerca do gado, pocilga do porco, forno do pão e casa da despensa, onde além das batatas, cebolas, alhos e ramos de louro, se guardava a talha do azeite, os cântaros das azeitonas e alguma fruta e outros mimos da casa, sem esquecer o pote do mel, de que o Ti’Manel era o maior produtor da aldeia.

Uma meia dúzia de galinhas, um capãozito e uma ninhada de pintainhos, tinham o privilégio de vaguear pelo quintal, arranjando assim a maior parte do sustento, completado com algumas hortaliças, restos do caldo, ou uns bagos de milho, em alturas de mais carências na hortita.

Os ovos rendiam cinco ou seis mil réis, por semana, dinheirito esse que constituía o fundo de maneio da Ti’Maria, usado para comprar uma chitas, popelinas, linhas e botões, a um dos tendeiros que semanalmente visitam a aldeia e alguma mercearia, na taberna, onde se vendia de tudo, desde petróleo a açúcar e a cevada moída, que aquecia o estômago, de manhã.

Além do macho, de provecta idade, manso como as pedras da calçada, fazia parte da família um cachorrito, que respondia pelo nome de “farrusco”e raramente abandonava o dono, especialmente quando este estava nas redondezas da casa.

Ao fundo da cabana do carro, situava-se o poço, com mais ou menos metro e meio de diâmetro e não mais de quinze palmos de fundura.

Em volta do poço, um muro redondo, com uns sessenta centímetros de altura e, sobre ele, a armação de ferro, onde trabalhava a roldana em que deslizava a corda que prendia o balde da água.

A uns dois metros do poço, estava a laranjeira.

Nas falas e sentimentos do dono, não havia melhores laranjas, no mundo, que as da sua laranjeira.

Mas vale a pena reproduzir a frase do Ti’Manel que definia o seu sentimento quanto à sua arvorezita:

”Em mais de meio mundo, que já vi, nunca encontrei nada que me satisfizesse mais que uma boa sesta à sombra da minha laranjeira”.


Com a forma de sepultura antropomórfica, escavou o Ti’Manel, uma pequena cova, com um palmo de fundo, exactamente no sentido da sombra da laranjeira, nas horas de maior calmaria.

Encheu a cova com palha de centeio.

Na parte virada a norte, o Ti’Manel teve o cuidado de deixar um ressalto, para servir de cabeceira, onde a palha, cortada, foi colocada de travesso e coberta com um panal da azeitona.

Não há quadro do local, porque nunca nenhum pintor presenciou aquele idílio: o Ti’Manel, deitado à sombra da sua laranjeira e o “farrusco”, dando conta de tudo o que se passasse para além do muro que bordejava o quintal e a casa.

Um dia, numa das habituais passagens pela aldeia, o Manel da Rosa – caldeireiro, “bimbo, lá de cima”, sempre acompanhado pela mulher, que além de angariar trabalho para o companheiro, pedia esmola, às portas – vendo o homem a dormir a sesta, com o cãozito ao lado, impávido e sereno, ficou a imaginar coisas... e aproximou-se do muro, junto do portalito tapado com galhos e ramos de oliveira.

Mas – pernas para que te quero – salta de lá o “farrusco”, direito ao caldeireiro, que não ganhou para o susto e não parou antes da taberna.

O Ti’Manel era um homem grande, de peitaça saliente e braços, anormalmente, compridos.

De estatura mais que meã para o uso na terra, como ele dizia.

Barbeava-se uma vez por semana – aos domingos, antes da missa – e usava calças de cós alto, apertadas com um cordel e, normalmente, tão subidas que deixavam a descoberto as botas de cabedal, com solas de pneu, a que o Manel da Rosa “deitara uns gatos”, na última passagem pela aldeia.

Na cabeça o mesmo barrete de sempre, preto, enterrado até um pouco acima das sobrancelhas, descaído sobre o pescoço e com a borla quase desfeita.

Quando andara por Lisboa, onde dera o corpo ao manifesto, na estiva de navios e a servir nas obras; nas ceifas do Alentejo; nas podas dos laranjais de Setúbal e nos navios, que o levaram aos cantos do Mundo, só tirava o barrete para o pôr, dobrado debaixo da cabeça, servindo de almofada.

Além da igreja, contam-se pelos dedos da mão as alturas em que o Ti’Manel foi visto sem barrete, e representam outros tantos acontecimentos marcantes: o dia do casamento, no casamento dos filhos, uma ou outra vez em que foi padrinho de casamentos, ou de baptizados, de algum familiar.

Nestas ocasiões, usou o chapéu que ainda estava pendurado num prego espetado na parede, por cima da enxerga em que passava as noites.

Quando se deitava, tirava o barrete, dobrava-o, cuidadosamente, e estendia-o, a servir de almofada, quer se deitasse na sua cama, ou na esteira que preparara, debaixo da laranjeira, para dormir a sesta.

Um tal procedimento despertou a curiosidade de muita gente, mas nunca ninguém ousou perguntar-lhe algo, ou tocar-lhe no barrete, que sempre o acompanhava: debaixo da cabeça, quando dormia, sob os joelhos, quando ajoelhava, na missa, ou dobrado, em cima do ombro, quando tinha necessidade de descobrir-se frente a alguém.

Afora essas ocasiões, o barrete pendia da cabeça do seu dono.

O mistério manteve-se por muitos anos: a curiosidade e cobiça de uns, a ganância de outros - familiares mais próximos que imaginavam ali um bom pecúlio -, talvez as intenções que atribuímos ao Manel da Rosa – lançar a mão ao barrete do velho – não fossem tão raras…

Até que um dia, o Ti’Manel não saiu.

No dia seguinte, os vizinhos chamaram e não ouviram resposta. Avisaram um dos filhos, com casa no outro lado da aldeia. Juntou-se o povo, como é normal nestas ocasiões, e entrou-se em casa, onde deram com o Ti’Manel, deitado na cama, com o barrete debaixo da cabeça e a mais tranquila e serena paz, no rosto.

Estava morto.

Os preceitos do costume, o enterro, as partilhas dos parcos tarecos e toda a gente ansiava pela revelação do mistério: o que estava, realmente, no barrete?

O filho mais velho, que herdara do pai alguma serenidade, revelou, finalmente, que no barrete estava um rosário de Fátima, com as contas muito gastas, pelo uso, e um pequeno papel, muito bem dobrado, com a indicação de um buraco da casa, onde seria encontrada uma caixa de lata, de uma marca de bolachas.

O conteúdo da caixa, constituído por algumas notas nacionais e estrangeiras – algumas das quais já sem curso legal – foi dividido entre os irmãos; o rosário foi pendurado junto à imagem de Santo António, na capela do Senhor dos Aflitos, na aldeia, onde se manteve por muitos anos, até que desapareceu....

Quanto às notas de banco que os herdeiros dividiram entre si, pouco valeram, pois nenhum dos beneficiados passou a rico…como comentava, com ironia, o filho mais velho, quando lhe tocavam no assunto.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Pena de talião



Pelos anos cinquenta não era fácil a vida no centro do País; no campo era difícil – havia pouco dinheiro para pagar as jornas, a propriedade muito dividida era amanhada pelos proprietários e filhos e os trabalhos especiais (ceifas, mondas, malhas, azeitona, podas ou vindimas) eram sazonais e, por vezes, comunitários.
 

Para se conseguir um lugarzito como factor da CP, guarda freios ou condutor na Carris, servente ou pedreiro nas obras de Lisboa, e guarda na GNR ou PSP, era preciso bons empenhos, de alguém bem colocado, a troco de um bom cabrito, ou de uns garrafões do bom azeite da região.

Numa dessas voltas da vida, o ti’Manel Bento dirigiu-se a casa do doutor Martins – onde era jornaleiro, tal como fora seu pai –, para lhe pedir que arranjasse qualquer coisa para o filho Mário, que daí a dias seria licenciado da tropa e não tinha muita compleição física para cavar com ele no campo, ou nos poços e minas.


Foi muito bem recebido pela Senhora, que chamou logo uma criada para guardar o recheio da cestinha do Ti’Manel Bento, constituído por um frasco de mel, um galo capão, ainda vivo, e duas garrafas de azeite. 


E, enquanto a criada não voltava com a cestita já vazia, lá foi assegurando ao jornaleiro, conhecido da
casa havia muitos anos, que o seu compadre de Lisboa alguma coisa haveria de arranjar – recomendaria o rapaz para a GNR.

Foi assim que, daí a seis meses, depois de feita a preparação, o Mário Bento foi colocado, como guarda, no posto da GNR, da vila.


Na primeira patrulha, passou pela sua aldeia, onde levantou vários autos – multas por: entulho deitado nos caminhos, caiação de casa sem licença, poço sem vedação e carroça mal arrumada, foram objecto da atenção do guarda Mário, que, passeando a sua farda nova, tomou a iniciativa de autuar o próprio pai, por uma transgressão de somenos importância.


O Ti’Manel Bento, foi ao posto da GNR e ignorando a presença do filho quando por ele passou, dirigiu-se ao graduado de serviço – o sr. cabo -, a quem apresentou a autuação e se prontificou a pagar a multa.

Ao mesmo tempo tirou da algibeira das calças uma bolsita de trapos, onde guardava o dinheiro e, pegando nos vinte escudos, correspondentes à coima, entregou-os. 


Aceitou o recibo, guardou-o, muito bem guardado, e saiu.
 

A coisa serenou: não havia que censurar o filho por cumprir o seu dever.

Todavia, na cabeça do Ti’Manel continuava a interrogação sobre o que quereria o filho mostrar, com aquela atitude.

Não encontrava resposta e dificilmente se continha, quando ouvia os comentários de vizinhos e amigos sobre o zelo do filho, chegando ao desplante de ir multar o pai, por um poço abandonado.


A mágoa no coração custou mais a passar; indo para lá do casamento do filho e baptizado dos netos, onde o Ti’Manel fingiu que não mais se lembrava da
mágoa que sentiu, quando se viu autuado pelo seu próprio filho, no primeiro trabalho que fez na guarda.

Muitos anos depois, pelo Natal, o Ti’Manel chamou os seis filhos e, à volta do alguidar das filhós, de uma pratada de tremoços, uma bacia de azeitonas retalhadas, pão e queijo, regados com vinho da casa, todos comeram e beberam, à vontade.


Antes de partirem para suas casas, o velho pai puxou da mesma bolsita de pano que usara no posto da GNR, trinta e três anos antes, e tirando cinco notas de quinhentos escudos – quantia que ao tempo correspondia a mais de dois meses de jornas –, deu uma a cada filho, menos ao Mário, ainda guarda da GNR.


Disse que queria deixar as coisas equilibradas; que aquelas notas não eram mais, nem menos, que os vinte mil réis que tinha pago de multa, trinta e três anos atrás, valorizados a um juro normal de dez por cento ao ano.

Não havia mais nada a dizer e só queria acrescentar que já podia morrer descansado.


Cada um desapareceu para seu lado, rapidamente, só o Mário, junto do pai, o abraçou, sentidamente e em silêncio total.


Não se sentiu injustiçado – recordou-se de qualquer coisa que lera, sobre a “pena de talião”- e despedindo-se do velho pai, foi à sua vida..




















 






segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Escola da Ti’Amélia



Passava na aldeia, pelos Santos e por alturas da Páscoa. 

Chegado ao alto da Portela da Casinha, parava a bicicleta, apeava-se e tocava a buzina, apertando duas, ou três, vezes a pêra de borracha.


Não tardavam a deitar o nariz de fora das janelas e dos postigos, as mulheres que nos fins de manhã ultimavam os trabalhos na cozinha.

Entre elas, a ti’ Maria Rosa conhecia aquele toque melhor que ninguém: o ourives era uma das visitas que mais apreciava; conhecia o senhor Emílio desde que, ainda rapazote, vinha, lá de Cantanhede, ao lado do pai, ajudando no negócio.


Antes de dar a volta, embora fazendo-se anunciar, o ourives dirigia-se à taberna e, sobre o balcão, ou numa mesa metálica ali perto, comia, num prato de esmalte, uma lata de atum com rodelas de cebola – muita cebola –, meio pão de quilo e um queijo fresco, acompanhados de uma “preta”.

Dali, aproveitando a hora de comer e depois, durante a sesta, passava em casa dos clientes, de que uma das principais era a Ti’Maria Rosa que nunca tivera filhos mas um rancho de afilhados, que gostava de obsequiar com medalhinhas, crucifixos, fios e brincos, de ouro e prata.

Para isso, comprava nas duas
passagens do ourives uma ou duas dúzias de peças.

Como dizia a boa mulher: há sempre um baptizado, uns anos, um crisma ou um casamento e é preciso ter qualquer coisa preparada.


Muitas vezes era também solicitado para avaliar algumas peças; apenas, como dizia a Ti’Maria Rosa, por gostar de saber o que tinha em casa.

Pacientemente, o senhor Emílio ia correspondendo aos desejos da freguesa, sabendo que se tratava de concorrência, uma vez que havia ali caso de penhor, ou empréstimo, com garantia em ouro, de alguém mais necessitado – a prestamista da terra –.


Dizia depois o protegido de santo Eloi: temos de ter muito cuidado; mandam avaliar a mesma peça a dois ou três ourives, perguntam a pureza do ouro, qual o preço do grama, se damos algum valor ao feitio, etc.

São pessoas que precisam de ter confiança em nós antes de comprarem.


Falámos algumas vezes com este homem de mala de lata – cheia de placas forradas com veludo preto, onde estavam fixados os objectos que vendia – fechada com cadeado, cuja chave, presa por corrente de prata, guardava no bolso das calças.

Numa dessas conversas veio à baila o caso da Ti’Amélia, uma velhota que vivia num tugúrio, no termo de Mouriscas, sempre só, desde que morreram os pais e um irmão, ceifado pela pneumónica, antes de adulto.

A Ti’Amélia, sempre andrajosamente vestida, vivia isolada do resto do mundo, tratando duas hortitas ao redor da choupana onde vivia.

Ausentava-se apenas para ir esmolar nas aldeias mais próximas e vendia os ovos das galinhas, alguma criação e uns cestos de maçãs.


A única coisa que comprava, que se soubesse, era uma ou outra peça de ouro, costume que herdara dos pais, cujo modo de vida fora bastante semelhante ao dela: pedindo de porta em porta e comprando pequenas peças de ouro.

Quando saía de casa ia descontraída, não revelando qualquer receio de que lhe assaltassem a morada.

Era o melhor dos disfarces, dando a entender que o que tinha – e todos sabiam que devia ter – não estaria ali, no meio daquela miséria.


Um dia, certamente por falta de alimentação, adoeceu, de nada valendo os remédios que o médico lhe receitou, pois nunca chegou a comprá-los.

Em poucos dias morreu.

Não houve grande consternação, nem apareceu ninguém a quem se pudesse assacar as despesas, sendo a Junta de Freguesia, na pessoa do Regedor, que se encarregou das exéquias e do enterro.


Apareceram uns parentes que apenas se encarregaram de revolver o local, em busca de qualquer coisa.

Nada foi encontrado, para além de uma pequena caixa redonda, de lata, com duas pequenas medalhas e um fiozito, sem valor.


Uns bons meses depois, o Regedor – Ti’Chico Alberto – aproveitando a passagem do ourives pela terra, mandou-o chamar a casa, para ter com ele um particular.

Convidou-o a entrar, ofereceu-lhe um cálice de vinho abafado e foi direito ao assunto: O senhor e antes de si seu pai, visitaram muitas vezes a cabana onde morava a velhota Amélia, lá para os lados da ribeira.


Depois da sua morte, nada se descobriu sobre o mistério do paradeiro do ouro que ela ia comprando e que, ao que se saiba, não dava a ninguém.

Deixe-me esclarecer que o que for encontrado, se alguma coisa for encontrada, reverterá a
favor da Junta de Freguesia – uma vez que se há alguém com direitos, devia ter aparecido para o enterro –.

Convidado a ajudar, o ourives acompanhou o Regedor até ao local onde várias vezes se tinha encontrado com a velhota e feito alguns negócios.

Parecia que tinha havido ali um trabalho de escavações e pesquisas arqueológicas; estava tudo revolvido.

Todavia o ourives foi dizendo que a velhota vinha da cozinha, ou ia para lá, quando fazia negócios com ele, quer se tratasse de ir buscar dinheiro, quer fosse guardar o que acabara de comprar.


Pois vamos ver que diabo podemos encontrar lá, senhor Emílio.

E foram até junto do local onde se fazia a fogueira e se guardava a lenha.

Olharam para todos os lados, bateram em todas as paredes que ainda estavam de pé e, nada....


Casualmente, junto de uns restos de cinza, ao bater numa das lajes, o ti Chico sentiu sinal de oco e voltou a insistir, chamando a atenção do ourives, que se baixou para ouvir.

Afastada a lenha, o Regedor passou os dedos ao redor da pedra e sentiu, num dos lados de trás, uma ranhura, onde pôde meter a mão.


Como que por encanto, a laje arredou-se e, por baixo, num buraco de mais de dois palmos de fundo, estava qualquer coisa envolvida num pano sujo.

O Regedor agarrou o achado e tirou-o para fora do buraco.

Ao abrir o pano, deparou-se com uma caixa rectangular, de lata, com mais de um palmo de lado.

Abriu-a e nem queria acreditar no que os seus olhos contemplavam.


Olhou para o ourives e... atónitos, nem acreditavam no que estavam a ver: centenas de objectos de ouro e prata, alguns deles muito antigos.

Meteram tudo numa bolsa de trapos e foram à taberna pesar o achado – o ourives não tinha balança para tão grande quantidade –: sete quilos e cento e cinquenta gramas.

Portanto, mais de sete quilos de ouro.


O ourives fez as contas de cabeça e disse para o Regedor: uma pequena fortuna, senhor Francisco; aí uns duzentos e cinquenta contos – o grama era a trinta escudos, mas para aquele ouro conseguia-se um pouco mais por cada grama.

Durante três dias o senhor Emílio foi hóspede do Regedor, passando o tempo a analisar e descrever todos os objectos e avaliando-os.

No final, disse: há aqui peças de muito valor; se bem que o que conta é o peso do ouro; há peças com mais de cento e cinquenta anos, o que quer dizer que a “colecção” é obra de várias gerações; eu, até hoje, nunca vi nada igual, ou sequer parecido.

Terá de consultar uma casa especializada, para avaliar tudo isto; se quiser indico-lhe duas, ou três casas – antiquários do Porto, ou fabricantes de Gondomar –.


Com o produto da venda do espólio da Ti’Amélia, que rendeu duzentos e oitenta contos, o Regedor gratificou, generosamente o ourives, e fundou uma Associação de Melhoramentos, na Freguesia, cujas primeiras obras foram: construção da escola primária, arranjo exterior e interior da igreja, obras na casa paroquial, compra de paramentos e imagens para a igreja, arranjos de diversos caminhos, das fontes da Terra e comparticipação na ligação da rede de electricidade.

Nas ruínas da velha escola, hoje cobertas de mato e silvas, ainda se pode ler, numa das pedras da portada: Escola Primária ti’Amélia.