terça-feira, 12 de agosto de 2008

Interrupção, temporária, de publicações


Estimados leitores

Até final de Agosto, interromperemos as publicações no blog

Em Setembro teremos mais histórias de gente simples

Agradeço todos os comentários e outras missivas, normalmente de incentivo, que me têm dirigido e, para os que gostam, espero continuar a escrever as histórias das gentes simples das nossas terras.

Até breve

Prof. José Valente

Nota: A publicação em: maisfolhassoltas.blogspot.com, será, igualmente interrompida, até Setembro.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Vizinhos

A água da mina da Matagosa era a melhor coisa que “Prudêncio” encontrava naquelas imediações.

Da Portela da Azenha, por toda a Amarela, subindo até à Pedreguina e entrando, depois, na vertente sul da serra do Corvo, até à Milharada, não havia uma pinga de água que se lhe comparasse. Ferrada, com cor levemente avermelhada, sabor intenso e frescura constante, nenhuma outra caía melhor ao resineiro.

O “Prudêncio”pegava no ferro, ao romper da manhã, passava na cozinha, engolia umas sopas de pão de milho com café de cevada e metia no bornal um bocado de pão com queijo, ou, em dias de mais abastança, um naco de toucinho, e, agarrando, por fim, a garrafa do ácido, fazia-se ao caminho, tendo como primeira paragem a mina da Matagosa, onde metia uma barrigada de água e começava a volta.

Junto da represa que entancava a água, afastava limos, folhas e outras impurezas da superfície e enchia a folha de couve, em forma de caneco, bebendo, com satisfação, uma meia litrada que havia de chegar até à mina do Ti' Domingos, na Milharada, mesmo no final da volta.

Ali, por volta das onze horas, com umas centenas de pinheiros renovados, estava ganho o dia. É claro que os tempos não eram fáceis e, não era raro os resineiros fazerem uma segunda volta, depois da sesta, até ao pôr-do-sol.

Pelo meio, havia que afiar o ferro, reabastecer a garrafa de ácido, jantar, esticar o corpo num boa sombra e, às vezes, aproveitar para regar uma represa de água, ou tratar de uns mimos.

A resina do pinheiro, que naqueles tempos era toda aproveitada, seguia das nossas terras, em barris de madeira, para as fábricas de Ortiga, Alferrarede, ou para os lados de Leiria e Pombal, onde era destilada, extraindo-se a aguarrás (essência de terebintina) e o pez louro, que, por sua vez, dava origem a muitas e variadas substâncias que alimentavam as indústrias químicas de perfumes, medicamentos, tintas e vernizes.

Era uma matéria-prima que servia para equilibrar a economia de muitas casas de lavoura e dava trabalho a muita gente do povo.

Quase de um dia para o outro, deixou de interessar.

Confesso que gostaria muito de explicar aqui as razões de tal abandono, os motivos por que acabou a exploração dessa matéria-prima, mas não as conheço, nem nunca ninguém mas explicou.

Mais tarde, os incêndios, fortuitos, passaram a rotina; as matas nacionais, primeiro e as privadas, depois, começaram a arder, ciclicamente, os resineiros acabaram, os pastores desistiram, os proprietários cansaram-se e, hoje, resta-nos a resignação de esperar para ver, num dos próximos verões, onde serão os próximos incêndios.

Quero, singelamente, prestar a minha homenagem a todos “os Prudêncios”, de todas as nossas terras, que beberam água nas minas e ganharam a vida fazendo “as voltas”da renova do pinhal e, agradecer, em meu nome e no de tantos outros que puderam estudar e livrar-se daqueles árduos trabalhos, à custa de resineiros, pastores e outras pessoas que cuidavam do alheio, como se de seu se tratasse.

Nota: – Escolhi o cenário da Queixoperra para enquadrar a história que ofereço aos leitores do “Jornal – Voz da Minha Terra –“por duas razões:

Por considerar que se trata de uma das aldeias onde o espírito e conceito de “vizinho”, se mantém muito vivo, e por ser a terra onde meu pai nasceu, e viveu até aos vinte e cinco anos.

E, era tão forte esse sentimento, que apesar de viver, depois, setenta anos, na Serra, manteve sempre aquele espírito gregário e de são e puro altruísmo, típico da sua aldeia de origem, a Queixoperra.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

O “senhor” dinheiro

O fidalgo da Torre era senhor das terras de umas duas léguas à roda do Tejo – nateiros e olivais, que se estendiam a perder de vista –, na margem direita. No lado de lá, já no Alentejo Alto, tinha herdades maiores que muitos concelhos e, se bem que a maior parte das terras fossem de pouca funda, só nos baixos e terras de regadio, alimentavam-se centenas de cabeças de gado. Mas a cortiça – tirava, todos os anos, para cima de mil arrobas –, era a sua maior riqueza.

Na Torre tinha o solar, umas jeiras de terras boas e o lagar de azeite que, em cada safra, trabalhava, só na azeitona da casa, para cima de dois meses e meio.

Uma bela ocasião – como contava o meu avô – o senhor Lavrador comprou um casal, no termo de Belver, e, a pedido do vendedor, a escritura foi marcada no Tabelião de Mação.

O senhor Lavrador não tinha muito hábito de frequentar aquela vila, mas avisou o feitor que tal dia, ao romper da manhã, tivesse o seu cavalo pensado e aparelhado e ele e mais dois homens, de confiança, armados, estivessem prontos para o acompanharem.

Adiantou, com a menção de segredo, que iria fazer uma escritura e levaria, consigo, bastante dinheiro.

Na hora e dia marcados, estava tudo pronto e, depois de uma bucha, oferecida pelo senhor Lavrador, montaram e seguiram para a vila. Um dos homens na frente, atrás o senhor Lavrador e o feitor e a fechar a coluna, o outro homem.

O fidalgo era homem simples, gostava de andar sem ser reconhecido – no que tinha certas dificuldades – e gostava muito de ouvir, e contar, chalaças.

No caminho, sem perderem o sentido da guarda, Lavrador e feitor, foram quase sempre de prosa.

Chegados à vila, os dois homens tomaram as rédeas das montadas do Lavrador e do feitor e quedaram-se ali pela taberna, aguardando que os senhores voltassem. Ao certo não sabiam aonde iam nem quanto tempo demorariam. Beberiam uns copos e esperariam…

Na frente o senhor Lavrador, com calças e jaqueta alentejanas, capote sobre os ombros e, na mão, uma bolsa de trapos, cujo cordão enfiara no braço.

Atrás dele, com indumentária idêntica, seguia o feitor que tomou a dianteira, ao entrar na sala, e, dirigindo-se à secretária, pediu para avisar que vinham para uma escritura, marcada para as nove horas.

Depois fez menção de se sentar numa cadeira que estava ao canto da sala, ao lado de outra já ocupada pelo senhor Lavrador.

A senhora, com ar de poucos amigos, num tom de comandante de qualquer coisa; tudo, menos pessoa correcta e educada – na expressão do meu avô –, disse, apontando o dedo ao fidalgo:

Eh! Você aí, levante-se lá, que essas cadeiras são para os senhores que hão-de vir – testemunhas e acompanhantes ficam de pé. Ou será que já está cansado, logo pela manhã!?

O Tabelião, esquecera-se de avisar quem eram os intervenientes no negócio, apesar de conhecer o fidalgo, que, aliás, cumprimentou, respeitosamente, ao chegar ao cartório e convidou a entrar, de imediato, para a sala das escrituras.

No interior, a secretária foi puxar um cadeirão e com a cerimónia que seria difícil adivinhar-lhe, momentos antes, na sala de espera, convidou o senhor fidalgo a sentar-se.

Porém, perfilado ao lado do cadeirão, o senhor D. Jorge de Meneses de Sá e Boaventura Falcão, pegou, cuidadosamente, na bolsa e, pousando-a no assento, disse:

- Senta-te aí, senhor dinheiro!... E manteve-se de pé.

A secretária, mais encarnada que uma romã madura, ia a pedir desculpa, quando o senhor Lavrador, dirigindo-se ao Tabelião, pediu que se começasse, de imediato, a função. Podiam estar para chegar alguns senhores, que não deveriam fazer esperar, acrescentou, ironicamente.

Finda a escritura, o senhor Lavrador e, no acto, comprador, pegou na bolsa e abrindo-a, tirou as centenas de notas suficientes para fazer o pagamento da escritura de maior valor alguma vez realizada, até então, por aquele Tabelião.

Assinados todos os papéis e feitas as despedidas, o senhor Lavrador cumprimentou e saiu, seguido do feitor.

Tabelião e secretária, olharam-se e, assumindo o erro, perceberam a lição: as pessoas passaram a sentar-se, na sala de espera, pela ordem de chegada.

Moral da história, como, sempre dizia o meu avô, a fechar: o saber, a educação e o respeito, não ocupam lugar!... Tanto podem estar atrás dum capote alentejano, como numa bolsa de pano!...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O Tó “Lixado”

Atarracado, de compleição física bastante débil, o António era, desde pequenito, extremamente atencioso e gostava de ouvir quem falasse bem, isto é, quem dissesse muitas coisas, sem se enganar.

Por certo, nem perceberia o que diziam; seguro é que gostava de ouvir qualquer orador, leigo ou religioso, político ou não, sabedor ou ignorante.

Várias vezes se infiltrava na sala de audiências, do tribunal, para ouvir os advogados e os juízes.

Nas feiras tinha uma predilecção especial pelos propagandistas e leiloeiros, nas festas não perdia um sermão e não faltava a uma pregação religiosa.

Fez o exame da quarta classe e sabia de cor a maior parte das histórias do Livro de Leituras.

Nas redacções nunca esgotava o assunto e livrito que lhe chegasse às mãos, era devorado em pouco tempo.

A única dúvida era acerca do entendimento que teria sobre o que ouvia e lia, dado que não se exprimia com grande facilidade.

Participou desde muito novo em todas as tarefas próprias da sua idade e do seu meio rural.

Chegada a altura namorou e casou-se; era um normal chefe de família e zelador das suas pequenas leiras em que angariava o sustento para si e para os seus.

Mas porquê a alcunha de “Tó Lixado”, que, diga-se, nada o incomodava?

Numa das pregações da Semana Santa foi anunciado um pregador de grande fama e nomeada.

Diziam uns que fazia chorar as pedras, outros que só à conta dele já tinham seguido as vocações para cima de vinte padres e outras tantas religiosas.

O Tó não mostrava tanto alvoroço há muito tempo; para mais que a pregação teria lugar na igreja de S. Sebastião e ele era muito devoto do “mártir S. Sebastião”.

Todos ouviam, em silêncio, a dramatização, efectivamente pintada com as cores negras da flagelação do mártir e o pregador descrevia, cuidadosamente, cada seta.

No meio do adro, amarrado a um tronco, o mártir levantou os olhos ao céu, quando um dos soldados disparou a primeira seta que lhe acertou nas costelas, disse o pregador.

Respondeu o Tó, que já se acercara do púlpito, num tom perfeitamente audível por todos os circunstantes e pelo próprio orador: Ai!..., meu rico S. Sebastião!...

Depois, o pregador continuou: Um segundo facínora atirou outra seta e acertou-lhe no ventre. O santo apenas gemeu!...

O Tó, aumentando o tom, exclamou: Ai!..., meu pobre S. Sebastião, deve ter doído tanto!...

O pregador continuou a descrever as setas seguintes, cada vez mais terríveis e perigosas, e também o Tó ia dramatizando os lamentos e apelos de coragem para que a martírio fosse menos pesado ao santo e dizendo-lhe palavras de incentivo para que tudo suportasse.

Nessa altura a assistência já olhava ora na direcção do pregador, ora na do Tó, para seguir por um lado a descrição do martírio e pelo outro a coragem com que o Tó animava o santo para suportar todas as sevícias.

A voz do padre era, como convinha, num tom suave e apiedado; a do Tó ia subindo de tom à medida de cada seta e de cada cena.

À sétima seta, com a assistência em transe, o pregador suspendeu-se e disse: Não satisfeito com o sofrimento do santo, o chefe dos guardas, pegou no arco de um deles e disparou uma seta que foi direita ao coração do mártir S. Sebastião, que levantou os olhos…

Nessa altura, num tom de voz clara e sem qualquer sentimento, o Tó exclamou, de rompante, mas pausadamente:

Foi … essa…! Essa … é … c’o lixou!...

Alguém começou a chamar-lhe “Tó Lixado”.

Assim ficou, para o resto dos seus dias.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Convite

Disponha-se o leitor a esquecer as agruras da vida, a deixar o stress bem longe, a abstrair-se do barulho da cidade e, a pouco e pouco, ouvir toda a Natureza a tocar, só para si, a mais bela das sinfonias que já imaginou.

Se gosta de ler, leve um clássico e misture o idílio com a leitura. Acabará por sentir-se onde nunca foi, nem nunca esteve.

A paz invadi-lo-á!...

Sente-se, na pequena ponte de madeira, sobre o ribeirito, com os pés pendentes para a corrente de água que, uns dois metros abaixo, segue o seu caminho, rumorejando no talvegue do riacho.

Contemple o leito, atapetado em tons de verde; nas margens, as torgas e balças que amarinham pelas paredes das hortas, até ao topo.

Junto das poças de água e dos pequenos pegos, onde nadam peixitos e outros anfíbios, crescem carriços e juncos.

As amoras negras, das balças, e as flores de variadas cores das trepadeiras, completam a primeira moldura.

No cimo das paredes, na orla das hortas, filas de videiras, entrecortadas por figueiras, oliveiras, macieiras, marmeleiros e tufos de plantas indeterminadas, têm, como continuação natural, os milheirais e outras culturas da época, que nos meses de Verão enchem as hortas de frescura, junto das correntes de água.

Pelo lado esquerdo, a levada estende-se até ao açude que, àquela hora da manhã, completamente cheio de água, em completa quietude, reflecte o azul do céu.


O sol, que no mês de Agosto se levanta bem cedo, tem certa dificuldade em afastar a neblina matinal – a maresia que desfazendo-se em gotas, deixa tudo a pingar de orvalho -, ergue-se já e faz-se anunciar pelos primeiros raios que, penetrando por entre os pinheiros, vão projectar-se no monte, em frente.

Para lá do açude, na curva da ribeira, erguem-se os cabecinhos, de um e outro lado.

A nascente e poente, partindo da linha de água, elevam-se as encostas, até onde não vemos o cume e tudo está coberto, para lá do bordo das hortitas, de pinheiros, mato e outros arbustos.

À retaguarda, o vale abre-se, pelos brejos, em direcção à aldeia, de onde vem o ladrar dos cães, o balido dos rebanhos e o chiar dos rodados das carroças. Mas, ao longe, nem sequer é ruído de fundo.

Nas proximidades da ponte toma posição a carricita e a megengra, que, juntas com a toutinegra e o cata-piolhos, fazem pela vida, em silêncio, e levam para os filhos, ainda pouco experientes, o que vão apanhando.

Mais além, sobre a esquerda baixa, os melros ensaiam os primeiros acordes, no que são seguidos pelas felosas e balceiras; ao centro, os rouxinóis, que estiveram calados, sob as videiras e na laranjeira, atiram os primeiros trinados melodiosos e sublimes, qual naipe de violinos.

Da direita, vêm os tentilhões e as milheiras, seguidos pelos verdilhões, ferreiros e rabos-vermelhos.

Mais atrás, o trinado, em alegro, dos pintassilgos e, em fundo, um pouco mais longe, a cotovia vem completar o naipe, em perfeita harmonia e angélica sintonia.

Sobre a represa do açude, a arvéloa, qual maestro, agita a cauda, imperturbável à passagem do pica-peixe e, sob o olhar atento do peneireiro, dirige aquela orquestra sinfónica, onde, dos graves aos agudos, dos metais à percussão, não falta nada.

Dos altos, os solos de um gaio e uma pega sobrepõem-se às batidas cadenciadas do pica-pau que vinha dando o ritmo e anuncia a passagem do “molto vivace” para o “moderato”.

As rolas, nos pinheiros, num arrulhar doce, introduzem o “pianíssimo”, serenando as crias, despertas pelo wagneriano gaio.

As cigarras, embora não sendo pássaros, ascendem da surdina, em crescendo, e, no momento mais quente, quebram a quietude.

São secundadas pelos restantes naipes da orquestra e, num final apoteótico, dão lugar ao sol que irradia toda a sua calma e força e convida os intérpretes a um merecido intervalo.

Os sons, as cores e os odores, inundam os ares de frescura e, conjugando-se com a aragem, transformam-se num cenário natural de perfeita harmonia, cuja dimensão e beleza, apenas dependem dos olhos, dos ouvidos …da sua sensibilidade, caro leitor!...

Sinfonia inacabada

O canteirito, no cimo da testada, é uma nesga de terra com pouco mais de metro e meio de largura por uns vinte de comprimento.

Ali, junto da levada, não podia queixar-se da falta de água, até ao dia em que ela deixou de ser um camalhão de terra e o cômoro foi substituído por cimento, tijolos e pedras.

A meio da hortita ia dar a ponte de tábuas de madeira, com uns oitenta centímetros de largura, assentes num lado sobre a calha de cimento, que levava a água e no outro sobre um barrote de eucalipto. O valado, no topo da ponte conduzia à levada e dali, para a direita ficava o açude e para a esquerda a casita da azenha.

A ponte era de pé-posto; a besta ficava no palheiro, poucos metros antes da ribeira. Não tinha guardas, nem corrimão e em períodos de taró mais intenso, era escorregadia e perigosa.

Todavia, não se sabe que, de lá, tenha caído alguém.

No cimo do canteirito acabavam-se as hortas, até ao açude, uns vinte metros a montante, para norte. A levada deixava de ser de alvenaria e passava a um simples rego entre o cômoro e a encosta do monte, que dali subia, para sul, até ao cume da lomba, povoada de estevas e pinheiros.

Entestado entre as paredes das hortas do tio Abílio Lindo, pelo poente, e do tio Manuel Rosa, a nascente, o açude da Pleissa era formado por uma fiada de quatro ou cinco grandes calhaus – que deviam estar ali “desde que o mundo é mundo, para os homens”, como me dizia o meu avô quando queria ir longe, no tempo –. A segurá-los, leivas de terra, barro, raízes de carriços, gramas e outras aquáticas.

Não eram raras as queixas dos meeiros quanto à má qualidade do açude, sobretudo em anos de maior canícula.

Faziam-se reparos na represa, remendava-se a levada,dava-se caça às eirós que furavam as leivas e os cômoros. A manilha do bueiro, foi substituído e acabou por ficar a contento de todos.

Na pequena veiguita, antes da azenha, criavam-se os mimos da casa: os alfobres de cebolinho, de couves (galega, sete-semanas, tronchuda, repolho, couve-flor, couve-nabo, coração de boi), de alfaces, almeirões, tomates e pimentos. Não faltava o canteiro da salsa, o rego da hortelã e a belga de coentros, cenouras e espinafres.

No tempo do feijão verde, três ou quatro leiras de outros tantos regos, semeados a intervalos de quinze dias, davam vagens por um período ininterrupto de três meses, no Verão. Estavam lá, também, abaceladas as vides escolhidas para fazer o bacelo e para usar nas enxertias da vinha.

Embora o calor nunca apertasse muito, ali junto da ribeira, no pino do Verão fazia-se sentir, de tal forma que era preciso regar, dia-sim, dia-não.

As regas já quase se não fazem, aqueles canteirinhos, então tratados como jardins, têm, agora, mais ervas e menos desvelos.

Porém, o chilrear dos pássaros, o roçar do vento nas ramagens, o rumorejar das águas e até o som desafinado das cigarras, continuam a compor a mais bela sinfonia que nos foi dado ouvir.

No açude, continua a poisar a arvéloa, agitando a cauda, com tal leveza, qual a batuta de maestro…

A sinfonia continua inacabada…